Somos animais sociais, é o que ouvimos por aí.
Mas isso não significa que seja fácil criar laços.
A verdade é que os dias passam e, quando menos percebemos, estamos sorrindo e acenando no automático, sem sequer olhar para quem está logo ali. Com o tempo, vai se acumulando poeira nos cantos do coração que ganha voz de frustração. “Onde estão as pessoas? Por que me sinto tão só?”
Pode parecer que esse é um problema de quem está em um deserto, sozinho em um sentido literal. Mas mesmo trabalhando juntos, dividindo apartamento ou almoçando em família, nos sentimos isolados, suspensos em um vácuo onde nada toca nossa pele.
A verdade é que cultivar relações significativas demanda um certo cuidado. Ao contrário do que paira na nossa cultura, relacionar-se é uma habilidade que pode — e talvez deva — ser treinada.
As pessoas se unem ao redor do interesse e do bem comum. E, quando o fazem, seus laços tendem a se estreitar naturalmente. O ato de compartilhar de um terreno consensual cria, quase magicamente, a sensação de unidade.
Não é difícil observar isso operando. Você fica amigo das pessoas com quem assiste futebol ou que, assim como você, curtem tomar uma cerveja no domingo. Muitas pessoas frequentam a igreja ou a associação do bairro apenas para ter contato com os vizinhos, amigos e quem mora ao redor. Em cursos ou nos happy hours da firma, o princípio é o mesmo. Depois de um certo tempo, você simplesmente tem algo a conversar.
Vemos esse processo operando constantemente e até sendo usado pra fins nada elevados, como no caso dos grupos de Whatsapp ou Telegram que borbulham pelos bueiros da internet e são usados como ferramenta de lavagem cerebral.
Por outro lado, é importante notar que podemos tomar consciência e usar esse mesmo mecanismo como um recurso em favor de melhorar nossas relações e impulsionar algo que acreditamos ser benéfico.
O caminho do medo, do egoísmo, do preconceito e do ódio não termina em nada bonito. Mas só reclamar e apontar não adianta. A gente também pode se reunir, se organizar, ocupar os espaços, se fazer notar e movimentar o que e quem estiver ao nosso alcance.
Volta e meia lembro de um filme que assisti anos atrás, chamado Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata. Ele tem muito o que se gostar: um romance que vai se construindo pelas tabelas, um sub plot investigativo, uma ótima fotografia e símbolos arremessados aqui e ali pra fazer a mensagem assentar e impulsionar discussões.
Porém, o que mais me fisgou foi a exemplificação de como o autoritarismo vai nos privando até remover tudo o que consegue da nossa humanidade. Do direito à expressão e ao afeto, até à alimentação saudável e nutritiva. Para aqueles que tinham o desprivilégio de ver suas terras ocupadas pelo exército nazista, não sobrava nada. Ou você se calava e aceitava ou era enviado para aquele local onde você perdia até o nome e era escravizado, humilhado e — quando não sobrasse mais nada — morto.
Em um momento como o nosso, quando o contato humano significativo vai ficando cada vez mais escasso e sendo intermediado por quem quer lucrar com o seu consumo, é ir contra a corrente oferecer seu espaço, seu tempo e sua presença para criar conexão.
Além disso, há vantagens “egoísticas” quando você é o provedor de uma experiência assim. Sua mente tende a se projetar a uma região que traz uma satisfação totalmente diferente.
Mesmo as reuniões mais comuns e meramente de lazer podem ser ressignificadas para trazer esse treinamento.
A repetição dos encontros associada à motivação de trazer benefício a si e a quem compartilha desses pequenos eventos pode acabar sendo a chama que aquece os seus contatos humanos.
Com o tempo, seus amigos de rolês de bike também podem se tornar grandes companheiros e impulsionar as vidas uns dos outros.
Ganhar algo é incrível, mas ninguém colhe tanto ânimo e energia quanto quem oferece um presente.
Por isso, hoje quero deixar como sugestão um incentivo para que nós possamos ocupar mais espaços com alegria, amor e compaixão.
Talvez você não possa executar um grande evento para reunir trinta pessoas dentro da sua casa, mas certamente pode fazer algo em menor escala para movimentar quem está ao seu redor.
Aqui algumas ideias:
Oferecer um jantar ou churrasco (ou pedir para alguém ensinar você a cozinhar);
Organizar um evento de troca de livros;
Jogar futebol com amigos;
Participar de uma ONG ou fazer trabalho voluntário;
Organizar e manter um grupo de meditação;
Fazer um grupo de estudos em cima de algum livro;
Clube do filme, com roda de conversa;
Oferecer cursos de algo que você conhece.
E aí, tem mais alguma ideia? Já fez alguma coisa parecida? Se inspirou e pretende tentar alguma coisa?
Conta aqui nos comentários.
Na Vitrola do Luri
Eu ando querendo comprar um violão clássico (o famoso violão de nylon) tem um certo tempo. Entre um anúncio e outro, ainda não escolhi o instrumento certo, mas ando assistindo alguns vídeos no Youtube. E, entre um e outro, encontrei alguns do Yamandu Costa que decidi dar o play pra me humilhar, como se a vida já não tivesse me maltratado o bastante. rs
Brincadeiras à parte, ouçam Yamandu Costa porque é a coisa mais absurda e maravilhosa do mundo.
Diário de Produção
Os últimos dias foram complicados. Fiz o contrário do que sempre prego e me peguei completamente atolado, o que me levou a sentir que estava escrevendo com menos dedicação, me espremendo entre uma tarefa e outra pra dar conta de um ritmo de publicação completamente arbitrário. E o pior: definido por mim mesmo.
Quando percebi a incoerência, decidi dar uma pausa.
Não faz sentido manter o chicote estralando nas minhas próprias costas. O Puxadinho é pra ser um prazer, um espaço de conexão entre nós. Se o brilho está ausente, então, alguma coisa está errada.
A pausa foi bem vinda. Hoje senti a vontade de escrever de novo e cá estou novamente. ;)
Minhas coisas
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Um abraço apertado,
Luri
Lindo texto, linda referência cinematográfica, linda reflexão. Fiz uma vez um curso de uma mulher com um currículo cheio de títulos, das universidades mais badaladas do mundo. Ela foi voluntária no Haiti após aquele grande terremoto e o dia em que ela se sentiu mais útil não foi aquele em que distribuiu comida ou remédio, por mais importante e urgente que isso fosse. Foi o dia em que ela improvisou uma festa. Todo mundo achou estranho, até que uma criança sorriu, e outra, e outra, contagiando os adultos. O objetivo dela era mostrar que para fazer a diferença nós não precisamos de grandes ações, só de movimento. Um pequeno gesto pode transformar uma pessoa. De uma em uma, uma comunidade inteira se transforma. Senti isso na pele em uma crise existencial. Uma conhecida me convidou para um almoço e, sem fazer críticas ou julgamentos, perguntou: como posso te ajudar? O que vc procura ou precisa? Nunca me esqueci disso, de como uma "estranha" me enxergou e me estendeu a mão.
Hoje dois dos meus melhores amigos são pessoas que conheci por puro interesse egoísta: um grupo de escrita. A ideia inicial era só ter gente pra nos instigar a escrever e tb dar aquela canetada necessária, apontando deslizes e possibilidades de melhoria.