Abri as inscrições para o meu workshop online, com o tema Autoedição: como editar seus próprios escritos. Para quem é apoiador do Puxadinho, tem um cupom de desconto de 20%. Vamos nos encontrar?

Naquele dia, eu acordei bastante inspirado. Tinha conseguido dar conclusão a um projeto que estava há algum tempo nas minhas mãos e estava preparando uma apresentação para a empresa inteira.
Seria mais um passo importante rumo a um reconhecimento muito bem vindo, com possibilidades de galgar mais um degrau na escadinha corporativa e, com sorte, receber também um aumento porque, apesar de todos os memes que circulam por aí, pagar boletos é a melhor parte da vida adulta.
Não tem coisa melhor do que conseguir bancar uma moradia massa, comer uns quitutes num restaurantezinho fotogênico ou parcelar aquele videogame Pro Master Ultra 4k 120 fps que sua mãe jamais compraria quando você era criança. Sim, são as pequenas alegrias do proletariado e eu me agarro a todas.
Mas não existe mal nem bem que perdure, já dizia minha avó. E, naquele mesmo dia repleto de sonhos, eu fui demitido.
O choque vem em sabores diferentes. Por um instante, minha mente congelou. Aquele tipo de silêncio interno que só acontece quando você é pego de surpresa. Não era tristeza, não era raiva. Era um vazio que veio e foi tão rápido quanto meus divertidamente puxaram os planos de contingência que eu tinha articulado em milhares de ensaios de pior cenário possível.
Sim, esse era o pior cenário possível: vivendo em uma cidade longínqua, sem parentes, sem amigos, com o aluguel pra vencer e nenhuma perspectiva de quando seria o próximo salário.
Mas, ao invés do desespero que seria de se esperar, o que me veio foi uma certa dose de… alívio?
Eu não sei se sou o único a ter um sentimento contraditório em situações difíceis. Já vi muita gente rir com as piores notícias. É estranho como o corpo tem esses espasmos malucos antes que dê pra entender a situação. Talvez seja um mecanismo de defesa ou um recado da vida: “É, talvez isso aqui seja muito grande pra processar agora”. E cada um tem sua reação aleatória característica. Rir, chorar, congelar — é como se seus divertidamente estivessem apertando botões ao acaso no painel de controle emocional.
Talvez seja por isso que, quando coisas assim acontecem, a gente acaba voltando para o básico — tentando entender quem somos, de onde viemos e como chegamos aqui. E, no meu caso, muito dessa confusão tem a ver com a visão que herdei sobre trabalho — senta que lá vem a autoanálise de boteco.
Minha família não é do tipo que tem muitos profissionais “de verdade”. Desde pequeno, percebo que a noção de “carreira” é algo que acontece com os pais dos meus amigos. Sempre tinha algum que era filho de um médico, advogado, engenheiro ou, em certos casos, um empresário. Esses seguiram mais ou menos os passos dos que vieram antes e, mesmo sem seguir a mesma profissão, puderam decidir por alguma carreira.
No entanto, quando você cresce abandonado pelo seu pai, vivendo de favor na casa dos seus avós, o trabalho não é uma carreira, é uma forma de sobreviver e de ter alguma paz o quanto antes. Minha mãe lutou muito. Muitão mesmo. Então, o mínimo que eu poderia fazer era tirar o peso das costas dela e ser capaz de me virar o mais rápido possível.
Eu podia não ser nenhum Einstein, mas ao menos fazia o que dava com as habilidades que eu tinha. Antes dos ChatGPT's da vida, as pessoas encontravam utilidade pros rockeiros magricelos aspirantes a artista no design e no marketing. Hoje, eu não sei como fazem, mas naquela época, conseguia meus trocados abrindo o Photoshop ou o Word.
Eventualmente, me tornei escritor profissional, embora eu não sentisse que era merecedor do título. Afinal, eu achava que escritor é quem escreve o que vem do coração, quem escreve livros — coisa séria, com uma aura de magia. Eu estava mais para um mercenário, contratado para fazer o trabalho sujo. Aceitei, por muito tempo, me chamar de produtor de conteúdo. No fundo, eu sentia que era um fabricante de estofado, preenchendo o vazio para que outros se sentissem confortáveis, enquanto eu mesmo permanecia inquieto. Escrevia o que era necessário, o que pediam. E talvez fosse esse o verdadeiro vazio que eu preenchia — o meu próprio, disfarçado entre prazos e demandas alheias.
Mas não vou negar. Ultimamente eu até que estava mais conformado. Achei que tinha encontrado um lugarzinho pra ficar, seguir a trilha e galgar novos títulos em inglês pra colocar no LinkedIn.
No entanto, diante das circunstâncias, o impulso da reavaliação me arranha a nuca.
Eu sei que o Instagram toma muita pancada, como se ele tivesse inventado a comparação, no entanto, a verdade é que se ele não existisse, a gente faria o que as pessoas faziam antes: se compararia com vizinhos, amigos e familiares. E eu, por mais que não queira admitir em público, também me comparo. Estou passando da metade do caminho pros 40 e é difícil não olhar pros lados. Quando você tem 20 e poucos, todo mundo é mais ou menos a mesma coisa: um jovem meio ferrado buscando seu espaço. Corta pra uns 15 ou 20 anos depois e quem teve a chance de cultivar uma carreira “de verdade” colhe seus frutinhos. Alguns ganham mais, exibem seus troféus e tudo bem — tivesse eu em outra posição, com certeza faria o mesmo. Mas eu não só tinha as circunstâncias complicadas que já mencionei, como optei por rotas alternativas nos momentos em que poderia ter escolhido uma carreira mais convencional. Assim, cá estou, no meu momento “this is fine”.
Enquanto escrevo, me pego pensando que não sou um escritor, na verdade. Claro que eu adoro escrever, mas não é bem isso que me atrai. Esse é o meio.
O que eu sei fazer com as palavras não é útil, pelo menos não no sentido prático que o mercado valoriza. O que eu gosto mesmo é de expressar coisas — contar histórias, destrinchar o que aconteceu, tentando entender tanto os processos externos quanto os internos. Gosto de buscar padrões, pistas que me ajudem a navegar pelo caos com um pouco menos de aflição.
No fundo, acho que isso nasce da minha dificuldade imensa de entender como o mundo funciona. É como se eu tivesse caído aqui de paraquedas, sem mapa. Pra não parecer completamente fora do lugar, aprendi a observar os humanos. “Ah, então é assim que você se comporta num restaurante? Interessante.” E, alguns dias depois, lá estou eu, escrevendo. É quase como se eu estivesse montando um guia da vida, na tentativa de decifrar o que deveria ser óbvio pra todo mundo, mas não é pra mim.
Pode até parecer interessante, “alá o artista, que lindo”, porém, não bota o pão na mesa. Ao menos, eu nunca descobri como.
Sim, eu amo e me refugio nos discursos sobre “curtir o processo”, “focar na motivação intrínseca”, mas uma parte de mim sente falta de reconhecimento. E, sejamos honestos, não basta o reconhecimento abstrato. Aqui eu falo de ter as contas pagas, o aluguel garantido, o retorno claro de que aquilo que faço tem valor para o mundo — não apenas pra mim.
Às vezes, tento buscar inspiração, entender caminhos. O problema é que, em geral, quem nos fala sobre sucesso já está lá em cima. Eles dizem que “não é tudo o que parece”, que “o topo é solitário”, como se tivessem esquecido o que significa estar na base, lutando pra sair do chão. Quem está aqui sabe como dói na carne lidar com o estresse financeiro e a sensação constante de que você está gritando no vazio, sem ninguém pra ouvir.
No fundo, acho que o que todo artista quer — e eu não sou diferente — é encontrar um equilíbrio entre o que nos move por dentro e o que nos valida por fora. Quero escrever algo que me preencha, mas também quero ser pago por isso. Quero o prazer de ouvir que minhas palavras tocaram alguém, mudaram algo, fizeram sentido, mas também quero ter alguma segurança financeira.
A verdade nua e crua é que criar e lançar é um ato público. Por mais que eu diga que escrevo pra mim mesmo, se fosse só isso, eu não estaria aqui, tentando encontrar sentido em tudo isso. Eu estaria no meu caderno, escrevendo pra ninguém além de mim.
O pior é que eu escrevo bastante apenas no meu caderno — tem muitas coisas que eu escrevo e nunca publico. Esse processo me ajuda a compreender o mundo, como já falei. E, como bom introvertido, nada mais confortável do que ficar no meu cantinho, refugiado das agruras da vida. Mas quando você tem a aspiração de ser um criativo profissional, isso perpassa a ideia de ter algum nível de fama, testar o magnetismo das suas criações. As pessoas precisam conhecer seu trabalho, se atrair por ele.
Eu não me isento de me confrontar com o fato de que talvez eu não seja bom o bastante. Confesso que aceito até bem a possibilidade de ter um nível de verdade nessa observação. Quando eu coloco um escrito no ar, é porque ele tem ao menos a nota pra passar — e, acredite, eu sou um juiz bem severo.
Não me importo em reconhecer que tem gente absurdamente boa por aí, escrevendo textos e livros incríveis, de arrancar lágrimas. Mas também tem gente que nem tanto. E, ainda assim, essas pessoas estão levando a vida, escrevendo, lançando, usufruindo do que lhes cabe com o sucesso que conquistaram. Como diz a Julia Cameron, no livro O Caminho do Artista: "Muitas vezes, é a ousadia, e não o talento, que leva um artista a ocupar seu lugar no palco".
A questão, provavelmente, nem é se eu sou bom ou não. Mas, sim, será que eu tenho essa ousadia, essa coragem, essa persistência?
Talvez venha daí o alívio. Entre o choque e a pergunta “o que eu faço agora”, a demissão é como um empurrão que te joga no palco, dizendo “vai lá, faz teu nome”. Desorientado, percebo que a vida me colocou nesse lugar. Outra encruzilhada não mapeada. Fosse um daqueles filmes de adolescente dos anos 2000, seria o momento de cantar inseguro pra plateia. Em seguida, após um constrangimento, todo mundo cantaria comigo e eu terminaria contemplado por um estrondoso aplauso. Será que a vida tem essa cena no roteiro pra mim?
De vez em quando, o ser humano é bonito, de uma forma meio poética. No meio da dor, nos agarramos às nossas fantasias e nos deixamos guiar completamente por elas. Por mais que não exista evidência alguma, repetimos que vai dar tudo certo, que vamos sair dessa.
A pessoa está lá, sem saber como vai pagar o aluguel, como vai arrumar dinheiro pra comer. Quem já viveu essa experiência sabe bem da sensação no peito, da perna quase cedendo, da garganta meio apertada e da dúvida sempre latente, do medo que, dessa vez, o milagre não venha.
Mas talvez não, né? Talvez, só dessa vez, esse seja o começo de algo novo. Quem sabe, é uma oportunidade. Quem sabe, né?
Só tem um jeito de descobrir.
Autoedição: Como editar seus próprios escritos
Estou muito animado para a nova edição do workshop online Autoedição: Como Editar Seus Próprios Escritos. Baseado no feedback que recebi na edição anterior, fiz várias melhorias para tornar a experiência ainda mais prática e eficaz.
Em duas sessões, vamos mergulhar em ferramentas e técnicas que ajudarão você a revisar e lapidar sua escrita para ajudar a trazer à tona a sua voz escrita autêntica.
Olha só, que legal esse depoimento sobre a última edição.
🎯 O que você vai aprender?
Estratégias para ganhar perspectiva sobre o seu texto.
Técnicas de macro-edição (estrutura, ritmo, intenção).
Dicas práticas de micro-edição (linguagem, clareza, transições).
As aulas ficam gravadas por 30 dias, e os participantes recebem um material exclusivo em PDF com checklist e referências.
👥 Quem pode participar?
Escritores de todos os níveis (não apenas profissionais da escrita) que desejam aprimorar seus textos, da primeira à última versão. Apoiadores do Puxadinho têm desconto especial.
Essa é a última turma do ano e as vagas são limitadas, então garanta a sua o quanto antes.
📅 Datas: 10 e 11 de dezembro
🕖 Horário: Das 19h às 21h
💻 Onde: Online
🔗 Inscreva-se aqui: Sympla - Autoedição
📩 Dúvidas? Escreva para mim no e-mail luri@luri.me ou veja mais detalhes na página do Sympla.
Espero você nessa nova turma!
Amanhã (27) tem encontro online para apoiadores
Amanhã (27) vai ter o primeiro encontro online para apoiadores do Puxadinho, para falarmos sobre o livro O Ato Criativo, do Rick Rubin. O encontro vai ser via Meet, às 19hrs. Pode colocar na agenda. Depois vou passar o link lá no Quintal — nosso grupo no Telegram — e também no seu e-mail. :)
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Então, você já sabe o caminho:
é muito mais fácil bancar a autenticidade com a tranquilidade de ter os boletos pagos.
Não é fácil...
Todo início de ano eu fico "descontratada", e é sempre um aperto no peito até saber se vem a recontratação ou não. São períodos sofridos, mas a gente consegue!
Boa sorte, Luri! Tenho certeza que muita coisa boa vem! 🌻