Hoje é terça-feira. O óbvio diz que ontem foi segunda. E, desculpem minha necessidade de mencionar o óbvio, mas é que a obviedade dessa afirmação é essencial. Ontem foi segunda. E, nessa segunda, eu gostaria de ter morrido.
De alguma forma, é isso que vem acontecendo. Segunda após segunda, acordo pela manhã e meu celular está repleto de mensagens. O dia já começou para alguns dos meus colegas de trabalho. Eles, tão envolvidos com a própria missão, nem se apercebem que há algum tempo, cortaram até as cordialidades mínimas. Não sobrou espaço nem para um bom dia, pra perguntar como estamos, para uma conversinha mole, um gif engraçado, uma piadinha besta. Nada.
A primeira mensagem é para avisar sobre alguns pormenores da reunião que está chegando. Em seguida, uma chuva de cobranças e novas demandas. Algumas até previstas, mas o fato de ter isso arremessado sobre mim gera uma sensação de ser absolutamente insuficiente. Não sou capaz, jamais, de atender o que esse trabalho e essas pessoas me pedem.
A empresa onde trabalho tem um discurso de flexibilidade, de liberdade e leveza. Mas, na prática, há tanto a ser feito o tempo inteiro que eu jamais arriscaria tirar um dia ou uma tarde que seja pra usufruir dos tais benefícios que a empresa oferece. Tudo é tão urgente e necessário que, mesmo nos momentos nos quais me vi à beira de um colapso nervoso, preferi ter de lidar com o esgotamento a lidar com a culpa de respirar e depois ter de enfrentar o acúmulo de tarefas.
Assim, quando decido focar e produzir, muitas vezes me perco em procrastinação. Minha mente se tornou incapaz de produzir, pulando de aba em aba, de tarefa em tarefa. Não é raro me pegar olhando para o computador, alternando freneticamente entre páginas ou fixado em uma tela em branco sem que nada saísse. Já chorei assim.
Quando temos folga, aos finais de semana, passo os dias em estado de alerta, pensando no que deixou de ser feito e em como vou chegar segunda-feira e acordar com as mil mensagens de cobrança antes mesmo que o horário de trabalho comece.
Eu não consigo mais escrever. Não tenho vontade. Cansei de girar essa roda que não vai chegar a lugar algum.
Sinto que sequei. Parece que acabou.
Eu sentia muito prazer estudando, lendo, convertendo o que li em material para outras pessoas participarem comigo de uma conversa, mas agora, parece que a minha pilha está eternamente fraca e mesmo as tarefas mais simples me demandam um esforço gigantesco.
Sou músico também e a música é o que mais me dá alegria no mundo. Porém, escrever música se tornou uma tarefa impossível. Sempre me perco em tantos autojulgamentos, tenho tanta dificuldade em soltar algo que é difícil descrever, mesmo pra alguém que se autointitula escritor.
O que sobrou tem um brilho fraco, prestes a desaparecer. Ainda funcional, capaz de fazer o que precisa ser feito. Pra todos os efeitos, está tudo certo.
Mas a vontade de viver mesmo… essa foi já tem um tempo.
Hoje é terça. Meu trabalho matou meu interesse pela vida.
Epílogo: e agora, como anda a vida?
Esse texto foi escrito completamente dentro da experiência. Eu acordei, tive outra interação frustrada com o trabalho e transbordei. Escrevi com lágrimas nos olhos, explodindo o que estava represado. É um retrato de como a exaustão estava me sugando.
Era 2019, eu já estava trabalhando no mesmo lugar por uns bons 8 ou 9 anos.
Esse momento de burnout não foi o único.
Posso dizer que nunca mais voltei a ser o mesmo, depois de repetidamente me colocar em condições de dar a alma por um projeto onde eu pouco colhia os resultados do meu esforço, tanto em termos financeiros quanto em outros mais subjetivos.
Mas, como nesse puxadinho preferimos olhar o copo meio cheio, entendo que essa experiência traumatizante me trouxe até onde estou hoje e, principalmente, me deu uma curiosidade sobre os mecanismos que atuavam e me deixavam esgotado, enquanto ao mesmo tempo, eu ia aprendendo sobre como não perder o interesse pela vida.
Recentemente, o tema pipocou algumas vezes na minha frente e achei pertinente trazer um pouco desse ponto de vista.
Talvez você esteja se sentindo assim e não consiga colocar em palavras o que sente. Talvez, ache que a vida é assim mesmo e não há saída. Eu sentia tudo isso. Ainda sinto.
Aquele lugar tinha, óbvio, muitas questões e pressões nada razoáveis. Mas agora, com um pouco mais de distanciamento, vejo que muito do que eu vivenciava dizia respeito à forma como eu encarava aqueles fenômenos.
Por trás da minha frustração existia uma crença de que eu não encontraria nada melhor. Existia expectativas de que aquele lugar fosse mais do que um ganha-pão. Eu queria, sim, encontrar sentido por meio daquela troca profissional. Principalmente, existia um apego gigantesco à forma como eu achava que as coisas tinham que ser. Isso aliado a um momento e sentimento de impotência (coisa que, inclusive, é sintoma), foi criando um ciclo vicioso.
A consequência foi esse esgotamento profundo.
É uma sensação realmente horrível. Passei anos sem vontade de escrever. Perdi o interesse pela música, pela arte e pela criatividade. Fui me sentindo cada vez mais desconectado do que faço e de quem sou.
Eu hoje entendo que sou uma pessoa apaixonada. Gosto de pensar que sou tranquilo, mas a verdade é que eu pulo de cabeça no que me envolvo. Gosto de dar 100%, mas meu 100% na verdade é 120%. Então, ultimamente, o esforço é justamente pegar mais leve, fazer menos, me esforçar menos, me dedicar menos.
Venho descobrindo com isso, para minha surpresa, é que esses 70% que eu dou agora, na verdade, já representam muita coisa. Isso somado à experiência que os anos me deram e à tranquilidade de quem sabe que o buraco pode ser bem mais embaixo, venho tendo uma experiência muito melhor com o trabalho.
Colocando o trabalho no lugar de trabalho, consigo o tempo e espaço mental para me dedicar ao Puxadinho, por exemplo. Estou escrevendo de novo, mantenho consistência nas publicações (coisa que sempre foi difícil) e até tenho sentido vontade de criar e produzir música, ilustração, design… a perspectiva mudou.
Também comecei a ter bem mais dimensão das minhas limitações. O tempo anda muito mais valioso.
Não acho que ninguém deveria passar pelo que passei. Por isso, estou aqui contando como foi.
Mas, se você está passando por algo nessa linha, desejo do fundo do coração que você possa se reencontrar com a sua potência de viver, que possa cultivar seu brilho interno e dar vazão à sua voz para transformar sua realidade. Pra mim, foi e está sendo um longo processo, assim como é a recuperação de uma pessoa que adoeceu e precisou de uma intervenção cirúrgica.
Como último lembrete, queria ressaltar que ainda que ter condições favoráveis e receber ajuda seja importante, é sempre a gente mesmo que precisa ter a disposição de ir lá e fazer alguma coisa. Seja ligar para agendar uma consulta com o psicólogo ou seja escrever aquela carta de demissão, é a sua mão que precisa se mover.
Então, não seja como eu. Faça algo o quanto antes.
Alex Castro e as Prisões
“A autossuficiência se torna uma prisão quando, por ser tão auto-evidente e inquestionável, deixamos de perceber que existem alternativas mais coletivas, mais comunitárias, menos egoístas para organizarmos nossas vidas, nossas economias, nossos amores.
A autossuficiência também se torna uma prisão quando, por sermos tão constantemente oprimidas pelas outras pessoas, almejamos um modelo impraticável de autossuficiência emocional: queremos ser a mítica pessoa que não se importa com a opinião de ninguém, quando poderíamos facilmente escolher nos rodear por pessoas cujas opiniões nos importam.
É desejável sermos tão autossuficientes? Aliás, é possível? E o que se perde nessa busca por uma impossível, indesejável autossuficiência?”
Já faz uma década ou mais desde que comecei a ler e acompanhar o Alex Castro. Você pode não concordar com ele, mas é difícil passar sem, ao menos, questionar alguma coisa. Fiquei muito feliz quando entrei pro Substack e descobri que ele também estava por aqui, mas estranhamente, é a primeira vez que recomendo a news dele por aqui. Então, agora esse erro está corrigido. ;)
Feng Suave: para contemplar um domingo nublado
Feng Suave é uma daquelas indicações do algoritmo do Youtube que sempre me chamam de volta. Adoro esse clima, o balanço suave, a voz delicada… pra mim, é como um convite à saudade, à contemplação. Essa live específica já foi tocada inúmeras vezes nos meus domingos nublados. Porém, recomendo também a Live from Studio Helmbreker, mais atual.
Passando o chapéu: Apoie o Puxadinho do Luri
Toda semana eu exploro algum tema relacionado à criatividade, música, arte e a vida.
Com R$10 por mês você pode apoiar o meu trabalho e me ajudar a entregar textos cada vez melhores. :)
Obrigada pelo texto! Passei pelo processo de burnout no fim do ano passado/início desse ano, e ainda carrego os resquícios do sentimento de alerta, frustração, ansiedade e angústia. Mas concordo 100% contigo: também aprendo tão mais sobre mim que esse processo me fez e faz entender melhor quem eu sou. Sem cortar que, nossa!, tem me feito questionar todas as regras da sociedade. Também adoro os textos do Alex, é um murro atrás do outro, uma delícia, diria haha obrigada novamente pelo texto e pela vulnerabilidade!
Nooossa, Luri. Esse texto reflete bem uma fase da minha vida. No momento eu tô na ponta oposta: apavorada que tá faltando trabalho (ainda que ser profe sugue uma puta energia de preparação). Eu tenho tentado ñ surtar e colocar minha energia na escrita ou então dormindo, pq daí não penso que poderei passar dificuldades em breve (ótimo jeito de lidar com as coisas né? Hahah). Já pensei até em tornar meu substack pago, mas não acredito que teria adesão. Tudo é incerto e flutuante, que angústia. É sempre o trabalho - o excesso ou a falta -, desgraçando a nossa cabeça. Que bom que você voltou à superfície. Que bom que escreve!
E tipo: Feng Suave é muito vibes né! Eu amo Noche Escura.
Abração, Luri! Quando tudo melhorar eu vou ser assinante de todos parsa de substack!