Minha rotina em meio de semana é bem básica. Acordo às 6:30, coloco o café na cafeteira e, enquanto isso, vou tomar um banho e vestir a roupa de treino. Em dias bons, eu como e saio.
Assim tem sido desde janeiro, quando optei por começar a praticar CrossFit.
Eu nunca fui de fazer atividade física muito pesada. Minha abordagem era mais recreativa, por assim dizer. Gosto de pedalar, fazer calistenia, correr… mais pela ideia de pegar um vento e ficar ao ar livre do que pelo exercício em si.
O começo no CrossFit foi absurdamente torturante, não consigo reforçar o quanto. Porém, de uns tempos pra cá, isso vem mudando. Já me sinto menos exausto depois dos treinos e os exercícios em si não me deixam mais à beira da morte (risos).
Ainda assim, tenho limitações que são muito óbvias. Eu não sou lá um cara muito forte, pendendo mais pra um físico magricelo com aquela capinha de gordura. Por isso, não costumo fazer dupla com os outros homens do box. Normalmente, não chego nem perto de levantar os mesmos pesos que eles e, com o tempo, fui me resignando nisso.
Para quem não conhece, no CrossFit existe uma dinâmica de tempos em tempos na qual a aula é voltada a definir novos recordes pessoais, ou seja, para aumentar os pesos. Era um dia desses.
Então, um cara pediu pra fazer dupla comigo. Ele era bem grande, até. Talvez uns 3 ou 4 cm mais alto que eu e bem mais forte. Eu tenho 1,80m, pra fins de referência.
Então, eu disse:
— Mano, eu acho que só vou te atrapalhar, não consigo puxar igual você.
E ele:
— Relaxa, vamo aí.
Então, eu aceitei. A primeira coisa foi que ele botou a barra masculina, que pesa 20kg (5kg a mais que a feminina, com a qual eu estava habituado). E, pra começar, ele colocou um peso já equivalente ao meu último recorde.
Eu não escondi minha preocupação, então, ele:
— Calma, primeiro testa.
Para minha surpresa, foi muito tranquilo.
Então, continuamos, até que cheguei num peso que me assustou. Eu já avisei:
— Acho que meu limite é aqui.
Então, eu fiz o exercício e ele notou:
— Acho que não é seu limite. Você fez a forma certinho, nem tremeu.
Ele adicionou mais uma anilha.
— Vai agora.
Eu fui, senti o peso, tremi como ele falou, mas fiz novamente certinho, sem perder a forma. Ele comemorou comigo e soltou:
— Tá vendo? Não precisa ter medo de falhar, cara. Se você chegar no seu limite, deixa falhar, joga a barra e volta um pouco.
Aquilo ressoou em mim.
Todo mundo carrega consigo uma certa imagem do que é aceitável e do que não é. Nós fazemos todo o possível pra sustentar essa imagem, pra fazer os outros acreditarem que somos isso.
Com o tempo, vamos criando esses mecanismos bem sofisticados, frases e discursos que nos protegem de encarar a realidade. Então, repetimos e treinamos tanto esses pensamentos que eles se tornam pontos de vista, agem extremamente rápido, ao ponto de nem chegarem a soar como frases. Viram apenas uma forma de decidir.
Eu, por exemplo, tenho esse vício de posar que sei o que estou fazendo, que conheço meus limites e que acerto na maioria das minhas decisões.
Isso acaba se tornando uma predisposição a jogar seguro, não ir tão longe, não descobrir qual é a fronteira das minhas capacidades ou, em mais vezes do que gosto de admitir, de nem tentar.
Isso acontece não só ali no treino. É quase uma diretriz interna, sempre soando no fundo da mente.
O que eu achei revelador sobre essa interação foi como o colega de treino me colocou em uma posição disposta a experimentar. E, mais do que isso, de aceitar a falha não só como parte do processo, mas quase como uma forma de sucesso. Falhar, nesse caso, seria descobrir o limite da própria força e sedimentar o degrau para um limite além.
É brilhante a noção de falhar, jogar a barra no chão, tirar uma anilha e tentar de novo. Levando isso para outros contextos, é possível reduzir o peso da autocrítica ou a pressão de atender expectativas. Mais importante, pode ser uma ferramenta para diminuir a força paralisante do ego.
É óbvio que no treino precisamos nos respeitar. Às vezes, calculamos mal, vamos com tudo e erramos feio, gerando consequências que podem ser realmente catastróficas. Então, é importante tomar os devidos cuidados. Na vida não é muito diferente.
Ainda assim, há momentos nos quais só estamos nos limitando pelo nosso medo de fazer feio frente às expectativas, sejam internas ou externas. Ficamos com tanto medo de deixar as pessoas perceberem que aquela imagem não se sustenta que nem tentamos pra valer.
Vamos sempre abaixo do que realmente conseguiríamos.
Imagina o tanto de potencial perdido ao viver uma vida inteira assim?
Que sorte que eu tive de encontrar esse cara no treino.
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O ato criativo: uma forma de ser
Eu não sei se concordo com tudo o que o Rick Rubin diz. Porém, gosto bastante do jeito super místico dele de pensar. Eu queria ser mais assim. Vejo ele como aquele cara que é legal de ter por perto, porque de alguma forma, ouvir o que ele diz me tira do vício em tentar resolver as coisas racionalmente e isso é algo que me atrai bastante.
O livro dele segue uma pegada de pequenos textos sobre diferentes bloqueios. Não tem uma ordem e, muitas vezes, não chega muito longe. Mas eu senti que é uma ótima leitura para abrir em uma página aleatória e consultar quando você quer coletar alguma ideia.
Uma conversa necessária
O trabalho da
é necessário. Infelizmente, é uma newsletter que conheci apenas recentemente e já sou muito grato pelo que ela faz. Essa, em especial, tocou fundo na ferida. Sou absolutamente péssimo ao divulgar meu trabalho. Se você, como eu, também tem essa dificuldade, vale assinar e acompanhar.Ela vem gerando uma série de revoluções aqui dentro com pontuações muito razoáveis e sensatas sobre o fazer criativo do escritor/artista. Principalmente, trazendo perspectiva sobre o fato de que tudo demora e sobre como é preciso plantar, regar, cuidar
Música para buscar o caminho da alma
Comecei a escrever essa newsletter, vi esse thumbnail, cliquei e não me decepcionei.
Segundo a Wikipedia, Hermanos Gutiérrez é uma banda instrumental latina suíça formada em Zurique pelos irmãos equatorianos-suíços Alejandro Gutiérrez e Estevan Gutiérrez.
O som é lindo, uma pegada contemplativa com uma alta carga emocional utilizando apenas as guitarras nesse estilo sulamericano que a gente gosta tanto.
Se quiser ver mais, aqui tem um Tiny Desk Concert com eles que também é muito legal. E deixo também a minha música favorita até agora, El Camino de Mi Alma.
Eu sempre tenho um pavor gigante dos dias de PR.
Eu fazia várias críticas (que não abandonei totalmente) sobre como no cross existe essa tendência insaciável de progresso e "evolução". Mas a real é que eu tenho um medo de não atingir as expectativas. E já digo logo que não vou dar conta. Sempre, claro, usando o discurso da sociedade do cansaço ( muito culta no rolê).
A vontade é de dizer: não quero decepcionar à você nem a mim mesma. Por isso não tento.
Seu texto me fez pensar sobre isso. Na verdade, seu texto me fez encarar isso. De uma forma ou outra, a gente sempre sabe né.
Obrigada por escrever.
Andreza
Tenho pensado nisso porque estou começando a corrida. Ontem pensei nisso do limite, de entender o cansaço que é para ser ultrapassado porque depois dele tem uma conquista. É a mesma coisa na vida. Muito bom texto e pauta. Levarei comigo a reflexão.