Todo ano é parecido. Com o fim do ciclo, aproveitamos a oportunidade para fazer promessas.
Os planos são tão diversos quanto os insetos na floresta amazônica. Mas há uma lista deles que são bastante recorrentes. Aprender um novo instrumento, começar a escrever, entrar para a academia ou iniciar uma alimentação mais saudável… você sabe, né?
E, assim como é fácil fazer as promessas e até aproveitar a energia que dura as primeiras semanas ou meses do ano, sabemos como é difícil manter a mesma empolgação. Aos poucos, alguma coisa se perde e o que era novo, excitante, se torna chato, mais uma obrigação no seu dia. Não demora muito, a desistência não só se torna uma possibilidade como um alívio.
Todas as vezes que eu quis manter um hábito, esse padrão se repetia.
Sendo um problema tão comum, é claro que muitas pessoas já trataram desse tema. É comum ver trocentas dicas sobre como lidar de forma prática com a falta de engajamento.
Todas essas abordagens têm seu mérito e ajudam em diferentes níveis.
Mas para aprender como nos manter consistentes na escrita (ou academia, ou dieta, ou seja lá o que for), é essencial compreender como nós de fato nos engajamos com as experiências.
Tudo o que vemos, cheiramos, ouvimos, tocamos ou provamos passa pelo filtro do “quero” ou “não quero”. Em geral, apenas nos aproximamos quando queremos pegar algo para nós. Esse é um hábito tão arraigado, rápido e sutil que às vezes mal conseguimos notar.
Mas também pode ser bastante grosseiro, como quando sentimos um cheiro delicioso e vamos caminhando até a pizzaria. Nem por um segundo aparece a dúvida sobre abrir a carteira e a boca para comer. Você simplesmente faz o que precisa.
Em geral, é assim. Uma aparência surge, pensamos “quero” e pegamos. O problema é que não sabemos como fazer surgir essa mesma energia quando não acontece esse “quero” interno. As aparências que não geram isso não nos atraem. Ou elas caem na zona de indiferença ou de repulsa. De um jeito ou de outro, ou elas não nos movimentam ou nos repelem.
Depois de um certo tempo, todas essas atividades que alimentam nossas esperanças de felicidade vão caindo na zona de indiferença ou repulsa.
Quando tentamos passar por cima disso, podemos perceber como os conselhos por aí não costumam ir muito além de “tenha clareza sobre seu objetivo”, “defina metas”, “faça planos”, “se organize”. Ou seja, ficamos girando ao redor do mesmo buraco, delegando a sustentação da energia a truques e estratégias mirabolantes.
Sinto que essa maneira sempre pedinte de interagir com as coisas gera uma aflição sempre presente, de que não sou o bastante, de que preciso fazer mais… e eu me pergunto: pra quê?
Com isso, não quero dizer que deveríamos parar de ter planos ou desistir de tornar nossas vidas mais criativas, produtivas ou saudáveis. Cada um com seus planos e metas. Inclusive, acho legal ter pequenos (ou grandes) projetos e desafios. De vez em quando invento alguma coisa.
E é aqui que eu sinto que as coisas podem ser diferentes. Ao invés de passar por mais um ano aflitos, tentando tapar algum buraco emocional e atender a algum padrão estético, social, profissional ou de consumo, que nesse natal e no ano que vem a gente possa lembrar de ser mais leves.
Que a gente possa entender o valor de estar presentes, de oferecer mais do que coletamos, de tratar os outros com gentileza e amor.
E que a gente também entenda mesmo dando nosso melhor, de vez em quando tem que se defender e/ou proteger quem precisa.
Disciplina, foco e esforço são qualidades essenciais, mas tem todo um outro lado, um outro jeito de interagir e se relacionar com o mundo e com o que queremos. Existe algo que vai além dessa forma rígida de entender a realidade que usa palavras como “metas” e “objetivos”. Temos também o sonhar, o brincar, o viver.
Que nós possamos descumprir nossas metas e rir disso.
Que nós possamos descobrir dentro de nós a energia que surge independente de causas e condições, que essa beleza de estar presente nunca nos escape e que possamos entender que existe coisa muito séria, mas que a maioria delas não é uma questão de vida ou morte e que podemos perfeitamente ficar sem elas, negociar, ceder, aprender, dar a vitória.
Pra fechar por hoje, queria deixar uma citação do Lama Padma Samten, um grande professor brasileiro de budismo, a quem admiro e respeito profundamente.
"Nós somos mendigos de energia. Nós chegamos nos lugares querendo pegar energia para nós. Por isso transmigramos de um lugar para o outro, sempre procurando alguma coisa, como um cachorro cheirando uma lata de lixo. Sempre carentes.
Nós estamos vivendo de aparências: nós olhamos para as aparências e surge energia. Não sabemos fazer a energia surgir senão através de uma manifestação externa.
A meditação nos cinco lungs é como se fosse uma vacina contra as perturbações mentais e emocionais. A pessoa treina, gera uma habilidade e fecha a possibilidade de ser perturbada. Porque toda perturbação vem pelo movimento da energia.
Se a pessoa aprende a movimentar a energia de modo autônomo, independente das bolhas, a pessoa, mesmo sem saber, está tomando refúgio na natureza livre (mesmo que ela não esteja usando essa expressão e nem tenha sido apresentada, ela já está fazendo isso).
Se a energia da pessoa se torna autônoma, ela ganha o que é chamado de ação de poder: ela anda pelos lugares com energia autônoma — não para drenar e capturar, mas para irradiar e oferecer." —Lama Padma Samten
Na Vitrola do Luri: Olivia Rodrigo
Faz um bom tempo que não recomendo música por aqui. O motivo é o mais óbvio: eu vinha meio desanimado para fazer meus garimpos. No entanto, hoje um amigo me recomendou esse Tiny Desk da Olivia Rodrigo e só posso dizer que está uma delícia. Pode ir na fé.
“A psicanálise não é tão eficiente”
Mateus é um amigo, produtor musical e psicanalista. Ultimamente ele vem produzindo um conteúdo muito legal falando de psicanálise e endereçando algumas frases e visões que correm soltas por aí. Venho gostando bastante.
O que vai acontecer com o Puxadinho?
Cá estamos nós no crepúsculo de 2023.
Agora é Natal e semana que vem teremos a virada para o ano novo. Eu pretendia escrever um longo post falando sobre o que ocorreu esse ano, mas percebi que dessa vez eu não tenho grandes feitos para exibir. E, na verdade… nem sei se eu quero.
Venho falando muito sobre fazer aquilo que faz sentido no coração e buscar o que flui com naturalidade, ao invés de fazer grandes esforços e suar a camisa. Por isso, decidi que minha despedida do ano de 2023 deveria ser leve, sem tentar maquiar nada e sem fazer força.
Como estou em Belém visitando minha mãe e revendo meu irmão (a quem não vejo há mais de 5 anos), vou aproveitar esse período para descansar entre meus familiares. Pretendo me desligar um pouco e dispensar completamente a preocupação com o texto da semana que vem.
Depois da virada do ano vou participar de um retiro de ensinamentos com o mestre Tenzin Wangyal Rinpoche em São Paulo que vai até o dia 21 de janeiro.
Então, devo entrar em recesso, o que significa que texto novo do Luri é algo que só deve vir lá pelo final de janeiro, tá bom?
Gosto demais do Puxadinho! Como posso ajudar?
Você pode se tornar um dos apoiadores do Puxadinho aqui no Substack. Eu sou muito grato por cada apoio que chega, pois esse dinheiro que entra dá uma ajuda enorme na vida. É só clicar aqui e assinar um dos planos e você vai estar meu 2024 um pouco mais tranquilo para continuar escrevendo. :)
Um belo 2024 para você!
Como sempre, eu queria agradecer imensamente por um ano no qual todos vocês foram imensamente bons comigo, tanto em likes, comentários e apoios pagos. Cada gesto foi notado e guardado no meu coração com muito carinho.
Espero voltar inspirado para entregar textos cada vez melhores.
Vocês são incríveis e muito generosos.
Que 2024 realize seus desejos e atenda todas as suas necessidades!
Sejam muito felizes!
Essa leitura foi simples, profunda e cheia de significado. Que seu período de reencontro consigo traga tantas reflexões sobre a vida que te mostre um caminho ainda mais leve. Espero ler seus próximos textos mais leves e inspiradores.
Sua newsletter foi um dos melhores achados e leitura de 2023!