“Não sei pra que aprender isso se eu nunca vou usar.”
Quem não lembra de estar na escola e pensar isso, provavelmente enquanto um professor de matemática cansado tentava ensinar a fórmula de Bhaskara?
Eu não era diferente. A escola me trazia uma profunda sensação de perda de tempo. O que eu queria mesmo era desenhar histórias em quadrinhos, cantar, tocar com uma banda.
Em uma boa parte do meu tempo nessa fase da vida, foi exatamente o que fiz.
O conflito estava armado. Minha curiosidade me atraia para essas atividades como se fossem o campo gravitacional de um buraco negro. Eu só pensava nisso, me ocupava completamente de livros, revistas em quadrinhos, discos, entrevistas e tudo mais que eu pudesse agarrar.
E, ao mesmo tempo, me afastava cada vez mais das minhas obrigações com a escola.
Eu detestava as aulas de matemática, como uma quantidade enorme de pessoas que conheci ao longo da vida. Mas também detestava as aulas de português, especialmente as de uma professora da fase do ensino fundamental (ainda chamam assim?).
Eu, bobo que era, manifestava meu desprezo transformando a vida dela em sala num inferno. Mas, apesar de tudo, foi com ela que passei a entender bem sobre como a língua portuguesa funcionava, mesmo que à revelia.
Então, a situação era assim: de um lado, aquilo que eu genuinamente achava útil e importante. Do outro, aquilo que a minha família e a sociedade liam como indispensável. Invertendo a perspectiva, cada um achava a prioridade do outro absolutamente inútil.
Corta para uns 10 anos depois e eu estou em São Paulo, vivendo da minha escrita.
Ali estava eu, utilizando todo o conhecimento “inútil”que aprendi com aquela professora.
Ao mesmo tempo, utilizei ao longo da minha vida, de forma direta ou indireta, praticamente tudo que absorvi nas minhas experimentações artísticas de adolescente, seja fazendo conexões em textos ou lembrando de como resolvia certos problemas criativos e aplicando na minha rotina de trabalho.
Em resumo, nesse meu conflito adolescente, todos nós estávamos certos e errados ao mesmo tempo.
É perfeitamente possível imaginar o que preocupava meus responsáveis e o que me afastava da escola. Eu tentava imaginar situações em que usaria tudo aquilo. Eles faziam o mesmo sobre as minhas paixões criativas. Quando nenhum de nós via a aplicação, determinávamos que aquilo não era importante.
Pesquisadores chamam isso de heurística da disponibilidade. Basicamente, é uma ferramenta mental que usamos para estimar a probabilidade de algo acontecer. Nós imaginamos situações e usamos a facilidade ou dificuldade do processo para avaliar o tópico, evento ou decisão. Se for difícil de lembrar de um caso, é raro e pode não valer o esforço. Se for fácil, achamos provável a utilidade e superestimamos o valor daquele conhecimento.
Bem simples e lógico.
Porém, a heurística da disponibilidade é um atalho mental. Serve para aqueles momentos onde precisamos fazer julgamentos rápidos e intuitivos, mas é qualquer coisa menos precisa.
Como adultos, cada vez mais ouvimos que o nosso tempo tem de ser bem gasto, que precisamos de foco, de um objetivo claro, que devemos otimizar nossos ganhos.
É raro nos darmos a liberdade de dedicar tempo sem saber muito bem qual o fim da jornada. Se é pra fazer um curso, que seja para algo que adicione algo à nossa carreira, ou que nos ajude a cumprir com as nossas obrigações do dia-a-dia. De preferência, é importante que possa virar algo que dê dinheiro.
No entanto, esse pensamento ignora que nós só podemos utilizar as ferramentas que conhecemos.
Quando não sabemos uma certa coisa e a situação onde aquilo possa ser útil aparece, aí é que não usamos mesmo. Sequer dá pra ver se algum conhecimento que você não possui poderia ser usado ali. Você apenas é arrastado pelo problema, indefeso.
Agora, se você tem uma ferramenta no fundo da sua mente, talvez a conexão se estabeleça no momento apropriado. Com sorte, você pode até aplicar aquilo em uma situação onde normalmente não seria lá tão comum.
E o que é o pensamento criativo se não a capacidade de trazer soluções para contextos onde elas não são esperadas?
Muitas vezes nos pegamos negligenciando algumas escolhas que faríamos por curiosidade ou afinidade em prol dessas atividades 100% utilitárias.
Mas nem tudo é ou deveria ser sobre utilidade.
Até me sinto um pouco mal de utilizar como gancho para esse texto um discurso que precisa explicar por que fazer algo sem utilidade e como isso pode ser valioso em algum momento. A verdade é que não deveria ser necessário justificar a curiosidade, o impulso de brincar e de fazer algo simplesmente porque tem vontade, porque te faz feliz.
Pra mim, essa é a principal vantagem de fazer coisas inúteis. Lembrar que somos bicho, que a razão do nosso viver está na própria palavra: viver. Todo nosso sentir, explorar, correr e pular já é válido. A experiência humana de filtrar a realidade, absorver e regurgitar é, em si mesma, o exercício do nosso direito de existir. Não é uma mera cor, é o que nós somos.
Não é necessário encontrar uma utilidade pra nossa alegria de saborear o mundo.
Nem tudo precisa ser prático. Nem tudo precisa ser decisivo. Nem tudo precisa ser útil.
Bobagens interessantes
Pensando cá com meus botões, decidi começar a trazer uma curadoria de memes, vídeos e bobagens interessantes, pra gente lembrar que a vida não é feita só de filosofadas, mas também de afeto e umas risadas gostosas.
A fofoca que tá correndo por causa dessa história esquisita aí do Bowser e da Peach.
O hit dos muppets Mahna Mahna que não vai desgrudar da sua cabeça.
Descartes a Kant é bom em todos os detalhes
Sabe aquela sensação de ser capturado no primeiro segundo? Quando vi o enquadramento perfeitamente simétrico ao estilo Wes Anderson me deu instantaneamente um tesão visual que me fez grudar. Depois, o baixo ácido distorcido me segurou pelas orelhas. Os figurinos ao melhor estilo Star Trek dos anos 60, as cores, a coreografia… quando vi, o clipe acabou e agora estou num loop dessa banda.
Aqui tem tudo que eu gosto. Eles são da Cidade do México e fazem um indie punk com notas de jazz aqui e ali. Vale muito ouvir e acompanhar Descartes a Kant.
Diário de produção
Bem, acabei nem compartilhando por aqui, mas passei um baita perrengue recentemente. Meu computador sofreu uma falência múltipla dos órgãos e morreu de forma súbita.
De repente, me vi sem ter onde fazer minhas atividades pessoais, o que inclui o Puxadinho. Por sorte, tenho um notebook da firma, do qual abusei um pouco pra manter a bola rolando.
Agora, enfim, estou escrevendo no meu novo computador. UHUL!
Ao menos, o perrengue trouxe aquela ansiedade gostosa que só a mensagem “saiu para entrega” é capaz de causar.
Sobre a contrapartida do apoio ao Puxadinho
Eu gosto muito de escrever pro Puxadinho e venho dedicando cada vez mais tempo e energia a ele.
Andei dando passos importantes, experimentando e testando. O passo mais recente foi abrir para os assinantes poderem apoiar mensalmente o Puxadinho.
Pensei que seria importante não restringir posts, manter tudo público. Mas percebi que pode ser importante criar mecanismos pra possibilitar que o Puxadinho permita a sustentação desses esforços que venho fazendo. E isso, claro, passa por uma troca financeira.
Então, nesse espírito de experimentação, decidi adotar outro formato.
Eu, honestamente, não tenho energia e nem assunto pra escrever mais do que escrevo. Pode não parecer, mas dedico muitas horas por semana para conseguir entregar um texto pensado do início ao fim e, ao mesmo tempo, gostoso de ler.
A solução à qual cheguei foi que a partir de agora, de duas em duas semanas, teremos os posts gratuitos de sempre. Mas, além disso, entre eles, teremos também posts apenas para os apoiadores.
Ou seja, se você contribuir apoiando o Puxadinho, continua recebendo texto toda semana. Mas, se preferir não apoiar, os textos vão começar a chegar de 15 em 15 dias.
Estou num momento onde o Puxadinho está crescendo muito e bastante disso se deve à sua disposição de ler e compartilhar. Sou muito grato por isso.
Mas o Puxadinho agora está se tornando outra coisa. O que era uma ideia apenas para me manter ativo criativamente, vem cada vez mais ganhando ares de seriedade e trabalho. É, basicamente, a primeira coisa que eu faço que vai ganhando corpo dessa maneira. Por isso, faz muito sentido deixar ele crescer e ocupar mais espaço na minha vida.
Então, se você quiser entrar nessa comigo, pode contribuir com R$10 todo mês e eu continuo te enviando texto toda semana. Topa? Faça as honras e clique aqui.
Que você seja muito feliz! ;)
Como diz ailton krenak: a vida nao é util!
Achei fantástico quando um aprendizado esquecido (talvez em algo que era aparentemente inútil mesmo, fora da escola) se torna algo relevante para a vida (ia escrever trabalho...).