Desde criança, uma das coisas que me fascinavam na internet era a possibilidade de aprender praticamente qualquer coisa.
Pelos canais de pau e pedra da época eu baixei livros, vi vídeos e li artigos que ensinavam desde programar meu próprio jogo, construir sites do zero e fazer montagens fotográficas até a fazer arroz com bife e como ser menos desajeitado com as meninas.
Claro, era uma outra época. O paradigma ainda não era “entre na minha rede centralizadora e eu mando conteúdo aleatório e de fácil digestão pra você ficar aí o dia inteiro”. Não existia Instagram, Facebook, TikTok ou Twitter. Não existia nem Orkut, pra ser sincero… pense!
Ao invés disso, você tinha que garimpar. E, muitas vezes, não achava tão facilmente. Então, existia algum fascínio pela ideia de encontrar conhecimento. Lembro de compartilhar apostilas e livros com os amigos. Além, é claro, de guias e detonados para finalizar os games que não conseguíamos zerar sozinhos nos emuladores — éramos crianças e pré-adolescentes, não esqueça.
Não demorou muito, eu comecei a fazer minhas próprias artes por aí. Montei sites, escrevia sobre meus interesses, desenhava histórias em quadrinhos e soltava na World Wide Web.
Já maior, vi se popularizarem os blogs. Com eles, começamos a ter figuras de confiança que centralizavam conhecimento e facilitavam minhas buscas. É certo que os blogs eram bastante diversos e raramente algum deles tinha uma proposta clara que não fosse apenas compartilhar experiências de vida. Ainda assim, você sabia que aquela pessoa fazia um certo tipo de coisa. Então, sempre que você quisesse aquilo, era só ir lá.
Em seguida, as redes sociais foram se tornando intermediários dessa curadoria de conteúdo. Agora, você nem precisa mais ter a sorte de encontrar alguém que fale de algo que te interessa. A rede social te conhece melhor que você mesmo e te afoga em conteúdo o dia inteiro. Difícil é não se tornar um vegetal, viciado em deslizar vídeos de 15 segundos.
Claro que figuras de influência começaram a existir muito cedo, mesmo antes dos blogs. É natural, a gente otimiza nossas buscas sabendo que alguns destinos são mais certeiros. E, com as redes sociais, isso só se intensificou muito rápido.
Óbvio que nós queremos e precisamos de professores, especialistas, referências, enfim… modelos para seguir. Encontrar um bom referencial em uma área é a melhor maneira de progredir, disso não há dúvidas. Mas quando essa necessidade se mistura com uma busca por influência artificialmente construída, surge um perigo: o de nos envolvermos com uma pessoa que visa construir prestígio mais do que entregar o que se propõe.
Usando o exemplo de alguém que ensina, vemos que com uma frequência bem grande, o tal professor começa a adequar o que busca ensinar ao que os algoritmos premiam. É assim que começam a surgir os atalhos para ser um atleta em 7 dias, mas que podem te lesionar ou fazer você desenvolver um distúrbio alimentar; os exercícios de canto milagrosos que podem acabar com a sua voz; as dicas de finanças que te colocam em risco financeiro… e por aí vai.
A real é que é muito mais fácil construir um “influenciador” do que um especialista de verdade em determinado assunto. Para alguém se tornar um especialista, entender as implicações do conhecimento que está disseminando, conhecer os percalços que surgem e onde a teoria se separa da prática, vão anos de experiência.
E, como bem sabemos, o capitalismo e, por tabela, o mundo das redes sociais tem aversão absoluta a tudo que demora. Aquilo que toma tempo e é feito com cautela, cuidado e ética, não serve aos algoritmos do entretenimento.
É fácil pensar também que isso só se aplica aos grandalhões que embolsam milhões em campanhas de marketing. Especialmente quando percebemos que a maioria dos criadores de conteúdo que movimentam as redes não têm sequer uma campanha patrocinada no currículo pra chamar de sua.
Porém, isso não quer dizer que não tenha nada em jogo. As redes vendem aos produtores de conteúdo a esperança de conseguir um lugar ao sol, de ganharem importância ao ponto de serem ouvidos e de escalarem suas possibilidades de lucro por meio da aparência de credibilidade. É assim que as redes sociais e algoritmos estimulam o surgimento dessas figuras duvidosas.
Existe esse ambiente que estimula o aparecimento de pseudoespecialistas que emulam autoridade utilizando técnicas de discurso, com o objetivo de nos vender o próximo produto.
Então, quando os ingredientes estão todos ali em cima da mesa, de repente a gente se olha querendo fazer o bolo. Como produtores de conteúdo, começamos a pensar… por que não?
Bem, eu diria: porque as pessoas sentem.
Na publicidade, uma das primeiras regras é produzir sob medida para seu público.
Quando você escreve ou cria para essa finalidade, não vejo problema. Você está tentando vender, logo, nada mais natural do que utilizar técnicas de venda.
Mas quando estamos tentando fazer música, pintura, cozinha, poesia, dança, teatro, etc, não faz sentido contaminarmos nossa atividade com esse tipo de foco. Entendo que existam pessoas que conseguem fazer coisas maravilhosas “sob medida”, mas em muitos casos, essa é apenas uma maneira velada de criar para o próprio ego. Logo embaixo da aspiração de criar algo legal, está a frase “para que eu ganhe mais, seja mais famoso e, finalmente, mais amado”.
O pensamento publicitário tem seu lugar. Mas o melhor canto para ele sentar talvez não seja no meio da sala de criação da nossa mente.
A ironia é que eu não posso falar tanto assim. Não é como se eu não tivesse culpa no cartório. Eu tenho.
Ainda que você seja um peixe bem pequeno, quase um plâncton, quando você está no oceano, é extremamente desafiador não cair nas armadilhas que o contexto oferece.
Enquanto o discurso está no nível da promessa, fica difícil entender o quanto essas possibilidades são falsas ou, no mínimo, raríssimas. Em geral, essas armadilhas parecem repletas de ganhos e possibilidades.
Afinal, quem não quer receber quantidades enormes de dinheiro para estar nos holofotes? Ser a voz de um nicho? Uma autoridade dentro do grupo? Basta ser um pouco mais direto, produzir conteúdo mais curto, não falar de nada complicado, cultivar uma polemiquinha… a voz vai sussurrando no ouvido cada vez que você senta pra produzir.
Acho que o desafio está, justamente, em buscar oferecer uma conversa franca sem corromper o trabalho. Eu tento fazer esse esforço, mas não sei se sempre consigo evitar de cair numas egotrips bem idiotas.
O que eu sei é que meu pior conteúdo sempre vem desses momentos mais professorais, onde eu quero transmitir todo meu ó-tão-precioso-conhecimento, acelerar meu crescimento, falar para o meu público. Quanto mais pensado dentro de uma forma do marketing, de uma estratégia de conteúdo, das diretrizes de escrita para SEO, pior é.
Por sorte, parece que tem alguma coisa que exala desse tipo de conteúdo. Coincidência ou não, meus textos com a pior performance costumam vir desse lugar.
E apesar de saber bem qual é esse espaço enlameado, nem sempre tenho tanta certeza sobre qual seria o oposto.
Entender o que é isso que todo mundo chama de autêntico não é tão simples. Na minha visão, um conteúdo autêntico vem de um lugar de honestidade, que não adiciona mais camadas desnecessárias. Sem orgulho besta, sem vontade de aparecer, sem tentar colorir demais.
Quanto mais pura a motivação, no sentido de ser uma experiência ou sentimento compartilhado, mais potente é o aspecto de autenticidade.
Isso não quer dizer mal produzido, apressado, tosco. Valorizo bastante o esmero. Mas existe uma linha tênue entre ser bem feito e ser artificial que é difícil de achar.
Lembro com alguma frequência de uma entrevista com o David Bowie, onde ele fala sobre nunca se permitir criar para a audiência. E, sim, sempre lembrar sobre como começamos a criar porque esse é um meio de conhecer nossas entranhas, aprender sobre nós mesmos e sobre como coexistimos com o resto da sociedade.
Sinto que isso é bem verdadeiro nesse ofício de “produtor de conteúdo”. Quando olho pro jovem Luri, aquele que caçava apostilas na internet pra aprender como escrever os roteiros das suas histórias em quadrinhos e campanhas de RPG, não existia nenhuma grande ambição. O jovem Luri fazia tudo aquilo porque era a coisa mais legal pra fazer naquele dia. Ele desenhou uma história em quadrinhos, agora é hora de sair mostrando pros amigos.
Hoje, são muitas as tentações, discursos subjacentes e números pra fazer crescer.
Independente do que movimenta os likes, o que realmente podemos oferecer é a nossa experiência, nossa curiosidade, nosso percurso pra chegar até uma determinada ideia. “Veja só, isso aqui é o que eu andei pensando essa semana.”
É bom a gente se lembrar que não criamos pra ficar bancando a autoridade na frente de uma audiência.
E que, pra piorar, esse tipo de postura tira a gente justamente da verdadeira recompensa, que é o ato de criar e compartilhar em si mesmo.
Fracasse, fracasse de novo, fracasse melhor: a grande arte de fracasssar
Eu considero o caminho da criatividade uma parte essencial do meu percurso de transformação. Quando crio, seja lá o que for, os processos pelos quais acabo passando, se tornam um laboratório pra aplicar o que aprendo no darma.
Dentro disso, a Pema Chodron sempre foi uma grande fonte de inspiração pra mim. Com uma sabedoria que brilha mais do que mil sóis, às vezes me pego tentando emular um pouquinho, imitando do meu jeito tosco as coisas que vou coletando a partir do que ela escreve e diz. Eu já li alguns livros dela, como o “Lugares que nos assustam” e o “Quando tudo se desfaz”. Por isso, quando vi que está saindo uma nova tradução, com esse tema do fracasso, comprei o livro imediatamente, ainda na pré-venda.
Sem pensar duas vezes, recomendo. Reserve e, quando chegar, garanto que vai valer cada página.
Nosso refúgio no consumismo
Steve Cutts é um animador inglês bastante premiado. Já trabalhou pra Coca-Cola, Coca-Cola, Kellogg’s e Google. E, depois que saiu em “carreira solo”, passou a dedicar-se a criticar justamente o consumismo.
O que mais me assombra é como a imagem da corrida de ratos e da busca vazia pela felicidade no materialismo é um absoluto clichê, mas não deixa de ser um filme de terror que se repete todos os dias, milhões de vezes.
Chega a me dar um arrepio, um frio na espinha, um leve impulso de negação… minha vida não é assim. Não é, né?
Uma playlist para estimular a mente
Eu adoro colisão de gêneros e ideias. Quando vejo certas combinações, é quase como se me desse uma cócega mental, normalmente sai uma risadinha do tipo “Há, olha isso!”
Eu gostei bastante dessa playlist, a mistura de solos de saxofone, samples de música brasileira, efeitos eletrônicos e um clima relaxante é bem o tipo de coisa que me fisga.
Inclusive, escrevi essa edição do Puxadinho ouvindo essa mix. :)
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"[...] o mundo das redes sociais tem aversão absoluta a tudo que demora. Aquilo que toma tempo e é feito com cautela, cuidado e ética, não serve aos algoritmos do entretenimento".
No alvo!
Impressionante como as coisas acontecem no tempo delas né? Eu estava justamente me bugando aqui sobre um incômodo bem especifico que tava correndo na periferia do meu dia a dia e ai tu vens com essa pedrada. O problema de ser um comunicador AND artista é que a comunicação contamina mesmo a criação artistica, já que comunicação necessariamente envolve vender algo. Acho que a vozinha tava aqui me dizendo "faz isso aqui pra ti encher esse teu ego ENORME". Foi legal perceber que o incômodo era não se deixar cair nessa armadilha, sem purismo ou ingenuidades, mas elaborar e ter minimamente um discernimento para separar algumas coisas. Abraços cara.