Hoje vivemos a era dos 15 segundos. Todas as redes sociais querendo sustentar a sua atenção o máximo de tempo possível e, pra isso, liberam pequenas doses de endorfina em vídeos que quando muito, chegam a esse número mágico. Os 15 segundos.
TikTok fez sucesso assim, depois Instagram entrou na onda, Youtube, Spotify e acredito que outras que não me lembro de imediato também.
Mas a questão é que encaixotados pelos formatos, vamos deixando de proporcionar experiências que sejam mais profundas e relevantes. Ficamos tão preocupados com a correria de tentar fazer dar certo comercialmente, de atender ao algoritmo, de ter um nicho, que perdemos alguma coisa que eventualmente faz falta.
Há inúmeros casos de criadores que simplesmente somem, desistem, mesmo quando obtém um sucesso considerável. Eles cansam, ou pra usar a palavra da moda: têm burnout. Parece que não faz sentido. Afinal, porque alguém abandonaria uma carreira promissora e a possibilidade de fazer inúmeras publicidades para ganhar um merecido aumento no saldo bancário? Mas olhando de novo faz sentido, sim.
Claro que eu estou longe de ser um criador de conteúdo nesse sentido. Não tenho uma comunidade gigantesca de pessoas querendo comprar meus produtos e nem tiro meu sustento disso. Minha trajetória foi como uma espécie de sideman, um Sancho Pança ou Tonto das iniciativas de outras pessoas. Mas ainda assim, já coleciono anos de trabalho suficientes pra encher uma década e mais um pouco.
Meu desabafo hoje é que eu sinto que cansei de ser criador de conteúdo per se. De entender dos algoritmos, qual a forma, qual o jeito, qual a nova tendência, qual a última atualização. É uma corrida de ratos que não vale a pena.
Todas as redes sociais, em algum ponto, retiram a mesma coisa que usavam para atrair usuários — visibilidade — e criam uma espécie de prisão para os criadores.
Spotify agora iniciou no Brasil o Marquee, que é basicamente uma espécie de Facebook Ads do serviço de streamings e todo mundo sabe o que o Facebook fez a partir do momento que começou a vender ads — adeus engajamento orgânico. Seus fãs estão lá, você teve todo um trabalho pra pedir pras pessoas fazerem pré-save e assinarem seu perfil de artista mas agora vai ter que pagar pra chegar até eles.
Muita gente fala de como o TikTok tem mais engajamento, mas a plataforma em si também já vem adotando medidas que devem impactar os criadores muito em breve — como uma nova feature que torna o botão de “ocultar conteúdo” muito mais agressivo, apagando o criador da vida daquela pessoa pra sempre. As bolhas agora tendem a ter paredes muito mais sólidas.
Para além do cenário desfavorável, venho sentindo cada vez mais que as conversas que me interessam acontecem longe da endorfina barata. E digo isso como alguém que às vezes se permite passar uns minutos vendo dancinhas, vídeos engraçados e pílulas aleatórias de informação. Eu gosto. Mas tem um algo que tem me feito cada vez mais falta.
Esses dias, regando minhas plantas, acho que agarrei um fio que pode ajudar a explicar.
As plantas procuram por aquilo que elas precisam, que as nutrem. E, ao contrário do que o senso comum diz, elas se movem na direção dessa coisa, especialmente se essa coisa for luz do sol. É claro que se você ficar ali, encarando o tempo inteiro, você não vai notar como elas vão procurando pela luz enquanto as temporadas do ano vão passando. Ou se esticam inteiras na direção daquela única janela que você tem no seu apartamento ou na sua casa.
Mas se você coloca ela em um determinado lugar, segue cuidando e volta e meia dá uma olhada atenta, é nítido como elas procuram pelo que precisam.
Isso me lembra muito a forma como os progressos na vida e nas nossas habilidades criativas acontecem: se ficamos obcecados pensando nisso, olhando e nos esforçando, não percebemos o progresso. Mas se relaxamos e seguimos, quando paramos pra olhar de novo, fica claro como avançamos.
Plantas demoram.
Eu sei que aqui miro nas plataformas como representação do grande mal, mas na verdade, isso é algo que permeia o funcionamento da nossa cultura: a pressa da lógica industrial aplicada a tudo.
Como uma planta, eu sinto que eu demoro. E, por isso, muitas vezes tenho uma grande dificuldade de encontrar um lugar no mundo. Em geral, sinto que sou sempre do contra, porque acredito num certo tipo de fluir da vida que é justamente combatido por essa lógica das redes. E, pra piorar, eu sou introspectivo, cheio de nóias e bastante avesso a aparecer em vídeo.
O ponto, acredito eu, é que eu quero poder demorar e me dedicar a um trabalho que me transforme no processo. Eu vejo muita potência em esperar o ouvido se transformar pra perceber se a música que eu criei duas semanas atrás ainda faz sentido, se ela resiste ao teste do tempo — mesmo que seja pouquinho assim.
Às vezes, eu sinto que o refino é necessário. Que uma boa ideia nem sempre vai resultar em alguma coisa parecida com o seu ponto de partida. E, pra chegar lá, a gente precisa revisitar, repensar e se permitir. De uma certa maneira, vejo como uma planta procurando pelo sol, se esticando pela estante rumo à janela mais próxima.
E a lógica das redes muitas vezes me tira isso.
Podem me chamar de idealista ou de preguiçoso, mas às vezes sinto como uma violência, exploração da mais descarada, que seja preciso postar um vídeo todos os dias, enriquecendo o bolso de acionistas com minhas palavras, sons e imagens que demoram horas e horas para serem produzidas, muitas vezes deixando de fazer o que eu realmente gostaria de estar fazendo: minha música, meus textos, meus estudos ou simplesmente curtindo um tempo com os meus.
A parte triste dessa reflexão é que não tenho uma solução empacotada e que caiba nos 15 (ou 30, ou 60) segundos de atenção que as redes hoje me disponibilizam. Apesar de tudo, o artista tem que encontrar formas de ao menos viabilizar o seu trabalho.
Quem sabe seja possível encontrar pessoas dispostas a conectar por outras frentes. É o que venho acreditando enquanto alimento essa news. :)
Um abraço e até a próxima!
Na Vitrola do Luri: Gestalt Girl
Eu ando descobrindo no indie rock japonês uma fonte inesgotável de vibes incríveis. Essa música é de uma artista chamada Gestalt Girl e eu vou confessar que não sabia o nome até um amigo que mora no Japão me dizer que é “Estrada Desconhecida”.
Ela tem um disco bem legal chamado Amoeba que vale muito conferir, se você gosta de uma voz feminina doce e desse clima meio nostálgico. Eu estou absolutamente viciado. Não escuto outra coisa há uns dias.
Diário de Produção
Eu ando bem empolgado para o lançamento desse meu primeiro álbum, o Espaço Interior e da live session que gravei com uma banda incrível.
Eu amo tocar e cantar, mas a parte que mais me move em direção à música é a composição, não vou negar. A criação costuma ter um timing próprio e acompanha uma vivacidade que quando vem não dá pra segurar. Ela simplesmente se manifesta.
Essa semana me peguei empolgado sobre um conceito que pode vir a se tornar um segundo álbum algum dia. E, junto com isso, veio uma nova composição depois de alguns meses que venho afastado dessa parte da coisa.
É um bom sinal.
Acho bacana acompanhar as elocubrações e bastidores do trabalho criativo. É algo que me segue desde que sou criança e que me fez me rodear dos criadores de conteúdo que hoje sigo. Spoiler: todos tambem demoram para produzir suas coisas e isso nem de longe é um problema. Abraços cara.
Sua news tem me ajudado pra caramba a entender essa vontade de apreciar e externar algo que sempre existiu em mim, mas nunca entendi direito. Obrigado!