As palavras precisam ter vontade de viver.
Agora, o que tem vontade de viver em mim é essa angústia sobre o tempo e a passagem de uma promessa para um mero fato seco. Explico.
Eu sou o que eu sou agora. Ninguém espera de mim grandes avanços na vida, grandes conquistas, grandes reviravoltas. Pior, eu também não.
Confesso, eu tinha uma visão de que ser adulto seria mais simples. Consegui cursar faculdade, tive emprego cedo, ganhei meu próprio dinheiro, fui morar só e em seguida disparei em direção ao sudeste assim que houve a oportunidade.
Eu nunca fui uma pessoa de muitos sonhos, de ter expectativas altas e suar absurdamente para conseguir o que eu queria. Mas eu achava que, lentamente, as coisas iriam se encaixando e ficando mais tranquilas. Bastava eu fazer a minha parte e continuar escalando no meu ritmo.
Agora percebo que não existe essa escalada onde vamos lentamente conquistando nossos espaços profissionais, afetivos, artísticos, financeiros, etc. Na verdade, o mais comum é termos tropeções quanto mais acreditamos que tudo está se ajeitando. Nunca se ajeita.
Em geral, subir o pescoço orgulhosamente é acertar a posição para a passagem da guilhotina. Mas o oposto também acontece muito: você acha que está na pior e tudo se ajeita e fica lindo, melhor do que você poderia imaginar.
Toda essa confusão, às vezes, me coloca nessa posição onde fico olhando para o alto e julgando em qual lugar da vida eu estou, afinal de contas.
Pode chamar de crise de meia idade, se quiser. Inquietação ou ansiedade também, fique à vontade.
É interessante como os paralelos estão sempre lá. Quando me sinto inadequado como escritor, artista, músico, também me sinto inadequado como pessoa, em todas as minhas interações. Às vezes, tenho essa impressão de que há uma separação. O momento de sentar para escrever e o momento de andar por aí. Como se, de alguma forma, pudesse desligar os sentimentos ocultos e fazer as pessoas acreditarem que nada disso está acontecendo. Pior, eu vou me enganando que consigo acreditar na minha farsa também.
Mas em um certo ponto, começo a perceber que os questionamentos que me consomem e me travam diante da tela em branco não são só sobre o texto. Meu coração acelera, minha respiração fica curta e a tensão nos meus ombros… todos seriam muito perceptíveis caso alguém estivesse aqui. Venho me sentindo assim diante da vida.
Para quem olha de fora, a escrita pode parecer um trabalho puramente intelectual. É você pensando, colocando pra fora o que quer que as suas vozes internas digam. Mas tem algo de muito físico ao escrever.
Dentre meus momentos, um deles é quando as vozes não param. Os pensamentos pulam de um lado pro outro como gremlins e eu reproduzo o comportamento. Minha cadeira de trabalho vira uma inimiga. Minha mesa se torna o lugar menos atraente da casa.
Mas o que muitas vezes acontece é que a gente está falando por cima daquilo que realmente quer nascer. E, com isso, criamos um certo bloqueio. Aquilo que quer encontrar a vida, morre na ponta dos nossos dedos.
Nosso eu que escreve e o nosso eu que vive precisam, de alguma maneira, estar em sintonia. De outra forma, alguma coisa sempre parece meio errada. É ruim para quem escreve, mas é também péssimo para quem lê. A gente, no fundo, sempre sabe quando algo não vem de um lugar verdadeiro. Dá pra sentir.
Então, escrever com força e potência não é bem colocar pensamentos no papel (seja ele físico ou virtual). Eu sinto que é uma forma de falar o que vem sem palavras, o que está escondido em meio às nossas tentativas de fazer sentido, de conseguir algo, de projetar o que queremos ser. É pensamento, linearidade, linguagem, mas é também corpo, aterramento, sintonia.
Com "estar em sintonia" não quero dizer que a vida precisa estar perfeita, com as contas pagas, carro na garagem e estar com alguém que orna nas fotos com você.
Muitas vezes, o que a gente precisa pra sentir que está vivo dentro da pele é de uma crise das boas.
As pessoas quase sempre falam sobre como a felicidade é uma sucessão de prazeres. Mas quase nunca é. Quando o chão treme e a gente precisa entender como ficar de pé nessa nova configuração, sempre acontece algo maravilhoso. A vida melhora.
Mas então por que temos tanto medo? Se fôssemos um pouco mais espertos e olhássemos para as conseqüências e amadurecimentos que vivemos, talvez nós começássemos a convidar as crises para jantar, ao invés de fugir delas.
Não é fácil. Tem coisas que doem. De verdade.
Ainda assim, não consigo deixar de pensar que excesso de conforto e conformidade é uma forma lenta de morrer. É bom, mas pode ser bem ruim.
E, assim como as palavras param de fluir pelos dedos, a vitalidade para de exalar pela pele. A gente quer ser esse viço.
Mas pra ser viço, não dá pra deixar de ter crises, reviravoltas, sustos e imprevistos.
Uma vida vivida tem tudo.
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Seu texto foi como um guia visual mental. Enquanto fui lendo, fui vendo claramente as cenas dessa profunda parte do que você descreveu de: "eu sou o que sou agora". Leria 300 páginas assim.
Esse texto foi tão tão TÃO importante de ser lido nesse momento. Engraçado que esperei o dia ideal para ler, um dia que eu estaria de boas no meu sofá sem me distrair com outras coisas, arriscando não dar a devida atenção às palavras. Ter uma crise de boas: tenho pensado muito sobre isso e, pasme, creio que tô conseguindo entender e me permitir isso. Como é bom sentir que não se está só.
Abraço!