Como escrever com consistência
Um pouco da bruxaria que venho realizando para manter meu hábito de escrita
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Aqui vai a primeira edição com uma pergunta sobre dois temas que sempre me assombram.
Olá, Luri! Como escrever com consistência sem se perder no meio do processo? Além disso, qual o método para se garimpar referências dos textos que tu usas? Abraço! (Anderson Castro)
Como escrever com consistência
Muito do que eu tenho a falar sobre consistência escrevi no artigo sobre o voto que fiz de meditar durante um ano todos os dias. Aquela experiência moldou minha percepção sobre esse assunto e, se quiser entender como penso, sugiro fortemente dar uma olhada.
Mas pensando um pouco pra responder, percebi que tenho mais alguns pontos a adicionar no que diz respeito à própria escrita.
Abra espaço na agenda
Muitas vezes eu digo que quero fazer mil coisas, mas na prática, não me organizo, achando que vai aparecer um tempo milagroso. Nem preciso dizer o quanto já perdi tempo pensando assim.
A verdade é que sem criar um compromisso, a vida adulta nos engole e nunca conseguimos fazer as coisas que gostamos. Sempre tem algo mais importante.
Caso você considere a escrita algo importante na sua vida, é preciso decidir sentar, optar por deixar de fazer uma outra coisa. Tem apenas a sexta-feira à noite, mas normalmente sai pra tomar uma cerveja? Bem… não tem muito o que fazer. É uma decisão sobre o que importa mais.
Digo isso sem julgamentos, mas como sabemos, não dá pra fazer tudo.
Escreva sobre o que é mais imediato
Tem gente que se dá muito bem com listas de pautas e tem filas de textos de gaveta só esperando pra publicar. Eu não sou assim.
Eu já experimentei todos os métodos de organização possíveis e todos começam a falhar depois de um certo tempo. O que é absolutamente normal.
Uma das partes de tentar fazer algo com consistência está em reconhecer que as coisas são assim mesmo. Uma hora funciona, é estimulante e na outra pára de funcionar. Não é que a gente nunca vai falhar com os nossos compromissos, mas sim que a gente falha e busca retomar o mais rápido possível, reduzindo os intervalos entre as fases produtivas e as fases de procrastinação e embotamento.
Atualmente, o que vem funcionando é colocar pra fora o que surge, o que vem fácil, sem pensar demais. Às vezes quero escrever sobre algo, porque é uma boa ideia, porque daria mais visualizações ou teria mais chance de viralizar… mas pelo visto, esse tipo de abordagem não funciona pra mim. Vou no que sai pelos meus dedos, no que realmente me interessa. Vem dando certo. :)
Seu bloco de notas é seu melhor amigo
Ultimamente venho adotando um método de escrever todos os dias alguma coisa. Às vezes sai um parágrafo ou dois, às vezes mais. Não me preocupo muito se está dentro de uma certa pauta, se faz muito sentido ou não. Apenas escrevo.
Ao final de um certo período, percebo que as notas têm uma certa coerência entre si. Então, eu pego esses rascunhos e escrevo o que é necessário para transformar em um texto com pé e cabeça.
A vantagem desse método é que pego o fluxo de pensamento fresco, aquilo que veio vivo, no impulso. Mas também não deixo de editar, analisar e refinar.
Vem dando certo. Em geral, ao final de uma semana, tenho um texto que publico aqui.
Melhor escrever qualquer coisa do que não escrever
Quando estou nas fases ruins, é realmente complicado gostar de algo que escrevo. Normalmente acho tudo horrível.
Sabendo disso, atualmente crio um compromisso com a qualidade, em termos mais objetivos (fluidez, revisão, formatação), mas não fico pensando demais em me agradar, gostar do que escrevo.
Assim, meu foco se torna apenas escrever, entregar alguma coisa. No caso, tenho aqui o Puxadinho, onde eu publico. Mas eu diria que essa estratégia valeria também no caso de alguém que quer apenas desenvolver o hábito.
Com o tempo, a qualidade da escrita vai aumentando e é possível perceber que, na média, você escreve melhor nos dias ruins do que pensa no calor do momento. Mais do que isso, os piores textos dos momentos ruins vão ficando melhores do que os bons textos dos quais você se orgulhava.
Prática é algo que compensa no longo prazo, mesmo quando é desagradável.
Lembre-se de se divertir (ou você não vai escrever)
Tudo o que fazemos repetidamente uma hora fica chato. Pode ser a coisa mais interessante, complexa, bonita e divertida do mundo. Mas só de você se manter exposto àquilo, a graça vai progressivamente se esvaindo. Vale pra escrita e/ou qualquer hobby ou trabalho.
Eu faço um esforço consciente de manter a escrita num lugar agradável. Ouço música, pego um lanche, tomo um chá. Busco construir um certo clima pra manter essa atividade com o mínimo de atrito possível e, na medida do razoável, divertida.
Associar a escrita com sabores, sons e cheiros agradáveis ajuda bastante. Agora, por exemplo, estou escrevendo na biblioteca de Gondor enquanto o Gandalf estuda bem ali.
Além disso, é importante escrever sobre o que realmente é interessante e divertido para você no momento. Não tentar ser um escritor que não se é. Não forçar, não escrever como quem risca tarefas numa lista.
Eu sei que parece contraditório com o que eu falei no tópico anterior mas confia em mim.
Não vamos esquecer que a mentalidade de trabalho é essencial para outros momentos. Administrar, divulgar, vender… esse é o momento de pensar como trabalho. Mas na hora de escrever, quanto mais divertido, leve, verdadeiro e vindo do coração, melhor — na minha humilde opinião.
Não dá pra escrever consistentemente sem cuidar do corpo
Ando notando como é impossível manter qualquer hábito consistente sem pensar na sustentabilidade do esforço em termos de energia e saúde do corpo.
Não dá pra querer escrever todo dia sem ter descansado, se alimentado, bebido água, praticado atividade física, meditado, etc. O corpo cobra.
A consequência é que você fica se arrastando pelos cantos e não tem vontade de fazer nada, nem mesmo as coisas que gosta. Sobra qualquer atividade passiva, como ficar rolando o feed no Instagram, o que você e eu sabemos o quanto é insatisfatório.
Os esforços básicos de manutenção do corpo são a base para qualquer atividade. Se falta motivação, energia, ânimo (chame como quiser), o primeiro lugar a olhar é o corpo, realizar essas atividades rotineiras de manutenção.
Depois, vale tentar procurar um psicólogo, psiquiatra, médico, etc. Enfim, colocar a saúde em dia. Tudo parte daí.
Duvida? Não precisa me ouvir, pode ouvir o Murakami no livro “Do que eu falo quando falo de corrida”.
Falando sobre outros escritores, ele diz:
“O termo exaustão literária é muito apropriado aqui. Seus trabalhos posteriores talvez ainda sejam bons, e seu cansaço talvez comunique um significado inerente, mas é óbvio que a energia criativa desses escritores está em declínio. Isso resulta, acredito, do fato de sua energia física não ser capaz de superar a toxina com a qual estão lidando”.
Às vezes, a melhor coisa é não escrever
Não quero esmagar os sonhos de ninguém, não me entenda mal. Mas às vezes a vida está uma bagunça ou nos demanda em outro lugar que não na frente de um computador ou com um caderno nas mãos. Todo mundo tem essas fases ou problemas pra lidar, aqueles que nos engolem. Aqueles dos quais não dá pra fugir.
A escrita pode ter um papel terapêutico nesses casos, sim. Caso você veja desse jeito, comece agora.
Mas tem gente que, mesmo sabendo que a escrita é importante e ajuda em muita coisa, acaba carregando as palavras como mais uma obrigação pesando os ombros. A pessoa já tem tanta coisa pra resolver e ainda fica se culpando porque não consegue escrever. Aí não é legal.
Caso você esteja muito cansado, muito ocupado, muito doente, muito demandado de forma geral… tudo bem não escrever. Deixa pra depois. Descansa.
Quando houver o espaço, daí você senta e se diverte à vontade. ;)
Qual o método pra garimpar referências?
Pra resumir, acho que essa questão tem três camadas:
Garantir que o que você viu e gostou esteja fácil de encontrar (favoritar, colocar em um bloco de notas ou outra forma de organizar)
Aprender a fazer uma boa busca, com paciência, nos lugares certos.
Sair da internet e/ou aprender mais um idioma (ou utilizar o Google Translate para sair da bolha e não entrar na câmara de eco).
Vou explicar um por um.
Eu não fico o tempo inteiro pensando em referências pros meus textos. Não é como se eu ficasse como um ratinho, procurando coisas. Mas eu tenho um hábito de me entreter com informação.
Em geral, estou lendo, vendo vídeos, recebendo links e conversando com amigos… são essas as referências que utilizo na maioria das vezes. Quando vejo um link interessante, salvo num bloco de notas ou em um grupo de Whatsapp que tenho comigo mesmo. Depende se estou no celular ou no computador.
Então, quando quero escrever, vou lá ver se alguma coisa me salta aos olhos. Às vezes, dá certo, às vezes, não.
Quando eu quero buscar mais informação sobre alguma afirmação da qual não tenho tanta certeza, vou fazer o bom e velho trabalho de pesquisa no Google, tentando encontrar ativamente um dado, estudo ou matéria jornalística que reforce meu ponto.
Muitas vezes isso muda a direção do texto, porque eu posso encontrar algo que reforce ou posso achar outra coisa diferente. É uma parte muito boa de escrever, porque ajuda a expandir os horizontes do que estou pensando. Não é raro que o texto acabe escrevendo a si mesmo, porque as coisas vão se conectando. Uma afirmação pede por um dado que acaba pedindo por outro… quando você percebe, já está longe de onde achou que chegaria inicialmente.
Um exemplo disso foi o artigo sobre o Zelda: Tears Of The Kingdom. Eu tanto já tinha lido ou assistido em vídeos de Youtube uma boa parte daquelas informações, quanto também fui encontrando outras no meio da busca por links pra reforçar o que já sabia. Demorou um bocado, mas é um dos textos que mais gostei de ter feito.
Por último, um ponto importantíssimo é: eu raramente busco conteúdo em português do Brasil. Infelizmente, tirando algumas exceções, a maioria do conteúdo brasileiro está infectado por fórmulas de SEO e estratégias para aumentar o engajamento nas redes sociais. Então, acaba sendo um conteúdo muito enlatado ou reativo, efêmero.
Como muitos produtores de conteúdo estão caçando números, acontece de todo mundo repetir o que está sendo dito pelo assunto do momento ou copiarem algum conteúdo estrangeiro que já deu certo lá fora. De uma certa maneira, é uma câmara de eco.
Eu tenho achado o Substack um oásis nesse sentido porque essas estratégias ainda não chegaram aqui. Tem muita, muita coisa boa no Substack brasileiro, é só garimpar direitinho.
Mas continuando… minha forma de fugir desse problema é sair da internet e pesquisar em livros — como o do Byung que utilizei como base pro texto “Vivendo além do próprio tempo” — ou procurar conteúdo em outros idiomas. No meu caso, uso principalmente o inglês, mas em algumas ocasiões mais raras utilizei o Google Translate pra acessar trabalhos em espanhol, francês e italiano.
Então, essas são algumas das minhas estratégias de garimpo. Espero que seja útil. ;)
O menino, a toupeira, a raposa e o cavalo
Tenho um lugar especial no meu coração para livros ilustrados. Especialmente se o livro em questão tiver ares de história infantil com sutilizas que permitem aprofundar o sentimento durante a leitura.
Encontrei esse livro nas minhas incursões pelas livrarias de aeroporto no meu período de férias. Tem algo mágico em garimpar lojas por livros físicos. Esse momento de descoberta daquilo que muitas vezes a gente nem sabe que está precisando é maravilhoso. Isso nenhum algoritmo é capaz de reproduzir.
Adorei a mensagem desse livro. Fofo, emotivo e profundo.
Ler sobre escrever
“Eu me considero bastante paciente para este tipo de ofício, mas às vezes fico exausto. Entretanto, ao produzir dia após dia, com cuidado e paciência, como um pedreiro que empilha tijolos um por um, chega um momento em que penso ‘Sim, sou mesmo um escritor!’. E consigo aceitar essa sensação como uma coisa boa, um motivo para comemorar.” (Haruki Murakami)
Li essa citação nesse texto da
e, como uma pessoa que adora ler o que outros artistas falam sobre seus ofícios, não posso evitar a recomendação.Contribua com o Puxadinho do Luri
Eu publico dois textos por mês no plano gratuito, mas contribuindo com o Puxadinho com R$10 por mês, você recebe mais dois textos exclusivos (tornando a periodicidade semanal) e se torna prioridade nas próximas empreitadas que pretendo começar a realizar com o seu apoio. :)
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Adorei conhecer seus percursos de escrita, Luri. Também tenho achado muito cansativo esses textos impregnados de SEO. É redundante. Quando escrevemos sem nos preocupar com o viral, o texto sai mais orgânico e autêntico. Obrigada por compartilhar suas dicas!
Acredito demais nisso de estabelecer o hábito. Acho que a tal da consistência é sobre isso. Não é sobre escrever "bem" ou estar criativo e produtivo todos os dias, mas sobre cumprir um combinado com esse hábito que, afinal, só existe pq é algo que se quer fazer. Escrevo todos os dias e às vezes alguma coisa presta, se escrevesse uma vez por semana a quantidade de coisa que presta seria menor.