Eu acho que até acredito na lenda dos vitoriosos. Os seres que acordam cedo, meditam, lavam a louça, cuidam dos filhos, vão pra academia, têm corpos belos, contas no azul e o nome limpo no Serasa. Eles devem existir em algum lugar. Eu, no entanto, não sou um desses.
Ao invés disso, sou dado aos meus períodos de instabilidade, onde entre tapas e beijos com a realidade, vou alternando os altos e baixos. Algumas vezes os baixos são mais baixos e os altos até que duram bem. Mas em outras o sobe e desce não só não cessa como a alternância vai acelerando até nem dar mais pra ver a diferença.
Andava numa dessas fases, onde o borrão se instalou. Quando é assim, o corpo ganha uns 20 quilos mentais e tudo fica mais difícil. Vou arrastando essa carga extra sem ver propósito algum. Parece mais fácil só me largar no sofá mais próximo, mas as contas vencendo sempre são o melhor motivador para o adulto semifuncional.
Mesmo quando penso nas conquistas surgindo, a lama já está tão alta no pescoço que nem consigo levantar as mãos pra pular em comemoração. No que diz respeito a mim, é praticamente impossível ver ou sentir alguma alegria com o que acontece no meu dia-a-dia. Eu sei que tenho motivos para me alegrar. Eu só não consigo sentir.
Mas, nos últimos dias, tive minha apatia entrecortada por um amigo que estava saindo da casa dos pais, montando seu consultório de psicanálise e dando os primeiros passos — depois de um longo planejamento — rumo à vida de adulto “independente”. Cada decisão ele vinha comentar comigo, pedia opiniões e nós íamos trocando impressões. De repente, me vi participando e me alegrando quando a geladeira chegava, quando a parede era pintada, quando o fogão era instalado. Eu comecei a ficar genuinamente feliz por tudo o que acontecia com ele.
Outros amigos também passavam por situações dignas de comemorações, e mesmo que o meu testemunho seja muito mais passivo e distante, comecei a me pegar sentindo um quentinho no coração, como quando vi a filha de um casal de amigos que não vejo há anos vir ao mundo por meio de fotos no Instagram. A beleza do momento capturado ali me preencheu, me devolveu o brilho no olho.
Venho me recuperando da lesão na lombar que saiu da fase aguda rapidamente, mas ainda tem resquícios aqui e ali. Não fui liberado pra voltar a correr e, por isso, tenho feito caminhadas todos os dias.
Enquanto esperava o semáforo de pedestres abrir, um desses carros gigantescos cujo nome eu não sei, pararam bem naquele momento quando você está distraído e percebe que é a sua vez de se mover. Olhei para dentro do carro ao atravessar a rua e veio o impulso usual de apontar as desigualdades escancaradas ali. Justo.
No entanto, ao invés de prosseguir catalogando mentalmente os motivos da minha revolta, decidi pensar “nossa, que bom que alguém pode usufruir do conforto de ter um carro tão bonito. Que todos os seres um dia possam ter um conforto como esse.”
Magicamente, meu mau humor habitual se desfez. Eu ri comigo mesmo.
A gente vive nessa cultura que nos ensina a apontar para nós mesmos o tempo inteiro. Nós queremos mais e quando batemos a meta, dobramos a meta. Não satisfeitos, ainda olhamos constantemente pro lado, para checar se estamos mesmo indo tão bem assim. É aí que a felicidade dos outros — amigo, inimigo ou desconhecido — nos machuca como uma agulhada inconveniente. Vivemos esse ciclo interminável de desejo e frustração.
Dada a quantidade suficiente de dias e noites repetindo esse padrão, vamos nos tornando esses seres meio invejosos e rancorosos, amargos.
Venho praticando ativamente esse olhar. Sempre que me deparo com um objeto de desejo nas mãos de outras pessoas, recito a mesma frase. “Que bom que essa pessoa está vivendo essa felicidade. Que todos um dia possam viver algo assim.”
No começo, me senti ridículo, mas com o tempo fui percebendo como é reconfortante treinar um olhar mais aberto, tentando ver beleza onde eu normalmente estou treinado a ver os problemas ou a falta.
Agora, noto que quando estou pensando em mim e nas minhas conquistas, tenho pouco pra me alegrar. Os eventos realmente marcantes o suficiente pra movimentar alguma coisa dentro de mim são esparsos. Mas quando considero todas as pessoas ao meu redor, mesmo aquelas que não conheço, percebo que existem muitas coisas maravilhosas acontecendo o tempo inteiro. Tenho muitos motivos pra me alegrar.
Ainda que a intensidade da emoção não seja tão forte quanto quando o aumento no salário é comigo, já é muito bom poder comemorar a conquista de alguém próximo e ajudar essa pessoa a perceber a importância desse momento ao ver como aquilo ressoa também em mim.
Brincar de me alegrar com estranhos na rua está me ajudando a olhar de forma mais viva para os meus amigos e familiares, me fazendo ressoar com os sucessos deles também. E, com isso, preenchendo meu dia com um repouso contente totalmente diferente da apatia enlameada que eu vinha experimentando.
Assim, parece que até o caminho para o reconhecimento das minhas próprias realizações está se abrindo. Se antes eu era muito mais crítico e focava até demais na impermanência e insignificância de tudo que acontecia comigo, numa pegada bastante niilista, agora vejo muito mais a preciosidade desses pequenos motivos para comemorar.
Pelo visto, é mesmo como dizem… a gente se julga com o mesmo rigor que julga os outros.
Mario Wonder me fez voltar a ser criança
Um dos momentos mais felizes da vida foi ver minha mãe chegando em casa com uma sacola que tinha uma caixa imensa dentro dela. Ganhar meu Super Nintendo e colocar o Mario World foi um daqueles dias que ficaram gravados na minha mente feito tatuagem.
Eu comprei Mario Wonder achando que ia colocar mais um jogo para me entreter por algumas horas numa sexta-feira à noite, mas fui surpreendido por um trabalho meticuloso e feito com todo amor.
Mario Wonder é Mario no seu melhor. Eu me senti como se fosse criança jogando Mario World ou Yoshi's Island no Super Nintendo que a minha mãe me deu. Eu sorria o tempo todo e gargalhava com várias situações malucas que aconteciam quando pegava uma das Wonder Flowers.
É muito bom se divertir assim, especialmente considerando essa época meio maluca onde há tanto entretenimento que nada mais parece tão interessante. Juro, eu estava com saudade de me sentir desse jeito.
Se você tiver um Nintendo Switch, vale seu tempo.
Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo tem um nome enganoso
Uma amiga me recomendou essa banda e venho ouvindo nos últimos dias. É sempre uma delícia ver uma galera fazendo um som legítimo dentro do rock, numa pegada que me remete bastante ao jeito de fazer as coisas da Rita Lee e Mutantes. Apesar do nome, não achei nenhuma perda de tempo. ;)
Contribua com o Puxadinho do Luri
Eu publico dois textos por mês no plano gratuito, mas contribuindo com o Puxadinho com R$10 por mês, você recebe mais dois textos exclusivos (tornando a periodicidade semanal) e se torna prioridade nas próximas empreitadas que pretendo começar a realizar com o seu apoio. :)
Então, para me ver feliz e contribuir com a existência e crescimento do Puxadinho, você já sabe o caminho:
Quando nos empolgamos com a felicidade das pessoas próximas, atraímos a energia pra nós também.
A inveja e o rancor só nos jogam pra baixo.
Essa semana adquiri uma lesão no tendão do braço. Foi uma ducha de água fria.
Mas ao invés de reclamar, fui compreender o porquê do ocorrido. Resultado: estou ajustando meus exercícios e fiquei ainda mais focado pra tudo.
Valeu, Luri! Boa recuperação.
Amanhã vou caminhar até a academia inventando histórias felizes para os personagens desconhecidos da rua. Obrigada ;)