Existe uma grande diversidade de pessoas. Algumas mais amigáveis, outras nem tanto. Algumas mais abertas, outras nem tanto. Algumas mais resilientes e outras… bem, você sabe.
Eu sempre carrego comigo uma curiosidade a respeito de como chegamos ao ponto onde estamos.
Minha impressão é de que existe uma certa crença sobre a forma como desenvolvemos habilidades. Basta ver como agimos quando assistimos um grande músico. Não é raro ouvirmos algo na linha de “Nossa, quanto talento! Eu queria ter nascido com esse dom!”.
Quando me deparo com algo assim, tenho a sensação de que a pessoa ignora completamente o fato de que, por mais que houvesse um interesse, uma pré-disposição, aquele artista passou anos estudando, lapidando, medindo e aperfeiçoando sua habilidade. Não é como se o instrumentista nascesse tocando Bach. Há sempre um processo de treinamento, por mais talentoso que o artista seja.
Quando paramos pra observar as pessoas mais próximas, vamos perceber que muitas ficam velhas e se tornam apenas uma versão idosa daquilo que praticaram ao longo da vida. Se foram ansiosas, começam a se perturbar com todo evento fora de controle. Se cultivaram isolamento, a solidão vem galopante diante de qualquer silêncio. Se foram raivosas, ficam furiosas até com as sombras no portão.
Da mesma forma, existem pessoas que são mais pacientes, mais empáticas, compassivas e acolhedoras, que suportam não só os próprios problemas mas também os dos outros e, pasmem, ficam até felizes de lidar com tudo isso. Na rara sorte de encontrarmos alguém assim, sempre tem quem diga “ah, eu queria muito ser desse jeito” com um leve tom de admiração e desistência, como se essas fossem qualidades inatas, inalcançáveis… um dom.
Sim, eu entendo como alguém pode pensar isso, afinal, não acompanhamos muitas pessoas desde o nascimento pra saber de qual forma alguém se desenvolveu até o momento atual. Vemos a personalidade, os medos e bloqueios emocionais de uma pessoa da mesma maneira como vemos a performance de um músico… como um produto finalizado, imutável, oriundo de algum presente divino (dom) ou uma espécie de maldição.
É compreensível, mas essa não deixa de ser uma visão que nos obstaculiza. Pensando assim, somos levados como boias pelo oceano, subjugados por qualquer onda que nos pega. Raiva, medo, preguiça, inveja… essas emoções nos agarram e somos arrastados pelo script crentes de que não há alternativa. Não sabemos o que fazer, não temos direção, não temos motor e não vemos saída.
Ainda há o agravante de que, normalmente, não prestamos atenção ao nosso mundo emocional a menos que algo esteja dando muito errado. Só notamos a raiva, por exemplo, quando gritamos na cara de alguém. Ignoramos completamente que dia após dia plantamos as sementes que culminam em um momento de descontrole.
É como um carro que precisa de manutenção constante para evitar que os freios nos deixem na mão. Sabemos que há um processo, um cuidado que precisamos ter para evitar o pior.
Da mesma maneira, a raiva não surge apenas quando agredimos alguém. Ela está lá desde muito antes e vai crescendo aos poucos até o momento em que explode, como a corrosão que leva a roda do carro a cair na estrada.
Mas, supondo que entendemos isso e nos dedicamos a essa manutenção, eventualmente começamos a ver que o carro está em boas condições e a pensar em como melhorá-lo. Adicionamos um bom aparelho de som, trocamos os tapetes, colocamos couro nos assentos e até um aroma. Tudo pra criar o melhor ambiente possível, para tornar qualquer trajeto mais agradável. Em um certo ponto, o carro está tão delicioso que passamos a gostar de estar ali, sentimos prazer e satisfação enquanto ouvimos música e observamos os engarrafamentos e barbeiragens pelo caminho.
Quando cuidamos da nossa mente, podemos iniciar um processo de buscar por mais sabedoria, de forma a não só nos preparar para o pior, mas também de nos sentirmos bem na nossa própria pele. Com o tempo, a sabedoria se torna uma habilidade cada vez mais fácil de acessar, mesmo em momentos complicados. De repente, as dores que nos incapacitavam tornam-se dores que conseguimos acolher.
Minha aposta é que esse processo é muito diferente da crença de que é a idade que traz sabedoria. Acho bem mais sensato ir diretamente em busca de uma forma de viver mais ampla, leve e lúcida do que contar com a sorte de descobrir como lidar com os eventos difíceis da vida no improviso. É como se eu quisesse aprender jiu-jitsu no meio de uma briga de rua. Não dá.
Ao mesmo tempo, acredito que não dá pra seguir caminhando pela vida rezando para que nada de ruim aconteça, cego pro fato de que, eventualmente, algo terrível e irreversível vai, sim, acontecer. Não importa muito a forma, mas eventualmente a gente se depara com a realidade de que a vida bate e bate forte.
Por isso acho tão importante entendermos que muita coisa do que tomamos por garantido e dizemos “é assim mesmo”, um dia foi aprendido e treinado até se tornar automático.
E, da mesma maneira como acreditamos na educação como uma forma de nos preparar para os aspectos práticos da vida, por que não trazer uma abordagem similar para o jeito como nos relacionamos com o amor, as perdas, as doenças e até nossa própria morte?
Cesta de compartilhamentos
Procrastination, aka Creative Poison (em inglês): texto que descreve bastante do processo criativo pra mim. Esse parágrafo me deixou identificado e extremamente pensativo:
“Quando estou tentando trabalhar em algo que é realmente importante (mas não interessante/urgente), há essa coisa estranha na qual meu cérebro parece ser uma entidade separada de mim mesmo. Eu penso ‘eu deveria trabalhar naquele projeto que é devido na próxima semana’, mas a parte do meu cérebro que conecta o que eu pretendo fazer com minhas ações simplesmente não responde.”
Tem umas recomendações de leitura que pretendo pegar, se eu não procrastinar demais até esquecer.
Na Vitrola do Luri: Guilherme Castel - Lado B
Nas minhas explorações pelo formato de cantor-compositor, acabei me deparando com essa canção de Guilherme Castel. O formato é bem gostoso, com aquela misturinha de pop e rock doce e melancólico. É bem numa pegadinha Samuel Rosa ou Frejat que eu gosto. Como me vi retornando à canção algumas vezes, fica a recomendação da semana.
Diário de produção
Esse texto foi bem difícil de escrever. Escrevi e reescrevi algumas vezes. Por isso, acabei pulando a publicação da semana passada.
No momento, sinto que estou finalmente voltando a ter ânimo pra criar novamente e acho que me abrir a um processo de escrita, com dedicação e no tempo que o texto me pediu é algo bem positivo.
Esse texto também traduz um pouco do que venho pensando a respeito da vida. Venho sentindo que uma das poucas coisas que fazem sentido é expandir a sabedoria ao máximo, descobrir mais ferramentas e aprender como entregar isso da forma mais simples possível.
Dentro disso, venho sentindo a necessidade de entrar em um caminho mais estruturado, com chances de optar por fazer uma formação, de forma a ter claro o que oferecer às pessoas. Durante os últimos meses, eu fui muito impactado pela prática Feeding Your Demons, criada pela Lama Tsultrim Allione. Venho cogitando seriamente entrar na formação oferecida pela instituição dela, a Tara Mandala, que tornaria viável eu ser instrutor dessa prática.
Para quem não conhece, Feeding Your Demons é uma prática de meditação guiada que consiste em algumas visualizações e perguntas voltadas a auxiliar em processos traumáticos e difíceis. Os “demônios” aos quais a prática se refere são justamente nossos bloqueios e dificuldades, que podem ser alimentados, de forma a transformar a nossa relação com eles. Se não conhecer a prática, pode ser interessante tentar. Tem sido extremamente importante e transformadora pra mim.
Fico curioso se alguém aí conhece ou teria interesse em acompanhar caso eu começasse esse estudo. Manda um e-mail ou comentário pra me contar o que acha? :)
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Um abraço apertado,
Luri
Pô, gostosa essa reflexão de hoje. Tava precisando :)!
Caramba Luri, não tinha parado pra pensar que a nossa versão idosa muitas vezes é a soma do que a gente praticou durante a vida. Fiquei pensando em como sou e como as pessoas próximas a mim são, imaginando como toda essa turma vai ser daqui a 50 anos, haha. Como sempre ótimo texto! Adoro tudo o que escreves :)