O dia vem amanhecendo enquanto eu saio do avião. Mais uma noite permeada por momentos que quase vou pegando no sono e, de repente, tomo um susto com o piloto avisando sobre outra área de turbulência.
De uma certa forma é como a vida vem se desenrolando pra mim.
Cada pequeno sossego vem seguido de um novo susto. Apertem os cintos, estamos passando por uma área de turbulência.
Às vezes, rola só um incômodo no meio do cochilo, sem consequências perceptíveis, o que torna a interrupção ainda mais irritante.
Mas também há aqueles dias nos quais a viagem mais parece um terremoto que não acaba nunca e faz as pessoas checarem o nome no Serasa do céu, pra ver como andam as contas com Deus. Pelas orações fervorosas, muita gente deve estar com o cpf negativado com o criador.
Quando sinto que a situação vem melhorando e finalmente vou conseguir me encaixar na cadeira, sou avisado de que o pouso vai acontecer em instantes. Olho para o lado e as duas senhorinhas que passaram o voo inteiro reclamando e rezando mostram um alívio do tamanho de uma baleia voltando ao oceano depois de encalhar na praia.
Eu rio lembrando disso enquanto peço um croissant requentado no microondas e um café que custam o preço de três desses fora do aeroporto. Ainda tenho mais um voo até o destino.
Lembro do que ficou em casa. Dois meses que não piso lá. Às vezes, as pessoas não fazem ideia do que é querer a sua própria cama com todas as forças e não poder. É como se me tornasse um fantasma, vagando por aí, lembrando da rotina e de como tudo que eu reclamava antes agora tinha se tornado a fonte de toda minha sede.
Pegar Uber em São Paulo é uma das roletas russas mais divertidas. Você tanto pode pegar um motorista que não consegue dar bom dia quanto pode achar um que salve seu dia.
Dessa vez, tive sorte. Negro, com um olho cego, afetado por alguma doença que não faço ideia, usando um moletom gigante meio pesado pro calor que vinha se desenhando depois de uma bem fria. Esse cara transformou meu humor.
Sem dormir e melancólico, contei da morte de parentes, de amigos, das dívidas e de todas as desgraças dos últimos anos. Tem quem consiga fazer a gente se abrir melhor que muito profissional por aí.
E enquanto eu lamentava a separação que me apertava o peito, ele contava também das suas e de como outras pessoas passavam pela sua vida, traziam novas experiências, novas vivências, novos erros, novas dores e também iam embora.
Egocêntrico que sou, não pude evitar de lembrar de outras das minhas histórias e como algumas separações vinham sem maiores turbulências e outras causavam verdadeiros choques.
Mas a verdade é que, por mais que eu quisesse agarrar, sentir o tempo com força, na tentativa de fazer continuar aquilo que me encantava, não tinha jeito. A pessoa ia embora da mesma forma como chegava, enquanto tudo o que eu podia fazer era me abrir para o que estava acontecendo, seja lá qual fosse o urro de dor que eu desse.
Eu me despeço do motorista e desejo sorte enquanto abro a porta e vou me direcionando ao saguão do hotel, já com a bateria no modo de economia de energia. Dou meu documento, respondo meia dúzia de perguntas, pego o cartão e subo pro quarto.
É incrível como é difícil dormir quando a gente está absolutamente esgotado depois de fazer muito esforço. O corpo dói, mas alguma coisa me impede de apagar tão rápido quanto eu gostaria. Mas quando vou chegando ao estado intermediário pré-sono e sou tomado pelas primeiras imagens de sonho, acabo pensando… sim, é verdade.
A vida é um hotel. As pessoas fazem checkin e depois fazem checkout.
Que lindo, Luri. Me identifiquei muito com esse texto e pensar a vida como um hotel foi um acalento aqui. Obrigada :)