A internet está desaparecendo e ninguém liga
Sites estão deletando seus artigos mais antigos. Sites estão fechando. E o material está se perdendo, provavelmente para sempre...
Nota: este texto é uma tradução livre do artigo The Internet is disappearing before our eyes, and nobody seems to notice, de autoria de Simon Brew.
Existe uma piada recorrente de que a maioria dos sites de notícias de entretenimento atualmente são, basicamente, prints de outros cinco sites que ainda continuam produzindo. Todo mundo passa a notícia adiante, idealmente com alguma contribuição ou opinião sobre ela. Mas geralmente com 400 palavras de enrolação antes de chegar ao tweet embutido.
Nem sempre foi assim, mas seria perdoável pensar o contrário. Apesar da World Wide Web ser originalmente fundamentada em ideais que incluíam a democratização da escrita e do conhecimento, o que está acontecendo agora é uma lenta erosão de seu arquivo.
Não acredita em mim? Procure uma notícia de cinema que foi publicada em torno do ano 2000. A página da Wikipedia para o excelente filme de animação "O Gigante de Ferro" é um bom ponto de partida. Vá até o final da página, até a longa lista de referências. Quantos desses links ainda estão ativos? Vários. Quantos levam a uma página que não é o artigo específico que estava originalmente lá? Também vários. Apesar das tentativas de arquivar páginas antigas — sobre as quais falarei em breve — muitos artigos sobre o filme desapareceram. Às vezes, atrás de um paywall, mas também muitas vezes eles simplesmente sumiram. Desapareceram. Não é possível encontrá-los em nenhum outro lugar.
Isso tem acontecido muito, mas quase ninguém está falando sobre isso.
Não é segredo que sites, assim como outras publicações e canais, surgem e desaparecem. Além disso, sites passam por grandes reestruturações e reformulações, a tecnologia que os sustenta evolui, e o material antigo é sacrificado por não ser "compatível". Essas são as exclusões acidentais, quando uma reformulação perde anos de comentários ou material, com poucas formas perceptíveis de recuperá-los.
Os sites que desaparecem completamente também levam consigo muito trabalho, sem deixar sequer um arquivo para trás. A publicação digital simplesmente não tem a permanência da impressa, e qualquer pessoa que diga o contrário deve ser vista com desconfiança.
Eu editei uma revista de informática semanal por pouco mais de uma década. A maior parte do material acabou no site. Essa revista fechou há alguns anos e todo o arquivo de artigos se perdeu. Se não fossem as cópias impressas na minha garagem e alguns discos de arquivos pouco confiáveis, o material teria desaparecido para sempre. Ainda assim, sem marcar um horário na minha casa, você não poderá lê-los. E mesmo assim, eu gostaria de um bom café.
Para jornalistas web, agora essa é a natureza perigosa da fera. Eu conheço um repórter de cinema americano relativamente proeminente que já perdeu trabalhos várias vezes quando diferentes sites se fundiram/fecharam/tomaram um rumo diferente. Com um clique em um botão, resultado de alguma decisão muito além de seu alcance, a presença online de seu trabalho desapareceu, e ele não conseguiu recuperar grande parte dele.
Muito disso, até certo ponto, é sabido. O que é menos sabido é que alguns sites estão deletando cada vez mais material antigo, sacrificando-o no altar do Google. O algoritmo de busca do Google, que está sempre mudando — certamente o coração podre em meio ao jornalismo online —, prioriza sites que carregam rapidamente. Uma maneira de tornar um site mais rápido é eliminar material dele. Ter um banco de dados menor de artigos para hospedar.
Você vai ficar contente em saber que há um termo para esse tipo de material: "thin content" [nota do tradutor: em português seria algo como “conteúdo fraco”, “ralo”].
Nesse caso, pode ser material duplicado. Pode ser algo que tenha sido sindicalizado de outro lugar. Mas também podem ser notícias sobre filmes lançados há muito tempo. De pouco valor imediato para qualquer pessoa, mas também, ninguém passa por jornais antigos e deleta o que está na página 23 para economizar espaço. Como arquivistas e historiadores lhe dirão, às vezes é o que está nas margens ou escondido em pequenas peças aparentemente irrelevantes que levam ao ouro. No mínimo, faz parte da história de algo. No entanto, geralmente são algoritmos que decidem o que vale a pena manter e o que não vale. Mesmo em sites que estão em funcionamento há anos, há artigos desaparecendo para manter tudo funcionando um pouco mais rápido.
Um justo sacrifício, alguns argumentariam. Droga, quem nunca ficou irritado com a velocidade de carregamento de um site? Por outro lado, a razão para visitar um site não é o banner de pop-up, o pedido para enviar alertas, o vídeo que inicia automaticamente, o boletim informativo ao qual se inscrever, o anúncio que cobre a tela ou o conjunto de anúncios clicáveis que convidam você a ver como uma mulher que tinha 18 anos agora está aos 50. É pelo artigo ou vídeo que você desejava.
A resposta é cortar qualquer uma dessas coisas? De jeito nenhum. Em vez disso, os arquivos editoriais estão sendo espancados, simplificados e reduzidos, porque é mais difícil — agora vem — "monetizá-los".
Mas há alguma resistência. A primeira vez que descobri o site archive.org, foi uma novidade agradável. Um arquivo da Internet, que mantém capturas de como as coisas costumavam ser online. Agora, aparentemente ele é essencial. É o principal recurso que está lutando contra as corporações que deletam material e, pelo menos, dando um lugar para que parte dele continue existindo.
Por que o archive.org consegue fazer isso? Porque é sem fins lucrativos. As decisões não são determinadas principalmente pela busca da libra ou do dólar. E ele está fazendo o trabalho que corporações com recursos muito maiores deveriam estar fazendo.
No entanto, ele só pode ir até certo ponto. Não dá pra arquivar tudo, e muito está sendo perdido. Meu interesse nisso é o meu próprio trabalho, porque parte dele foi jogado fora como "conteúdo ralo", parte foi perdido devido à fusão de sites, onde o algoritmo escolheu um artigo sobre o mesmo assunto de um escritor diferente, e parte sumiu simplesmente porque os sites desapareceram. Conservadoramente, calculo que centenas de milhares de palavras minhas se perderam. Não está acontecendo apenas comigo. Isso está acontecendo com escritores por toda a web, e na maioria dos casos, esses escritores só descobrem que seu trabalho desapareceu quando já é tarde demais.
Meu ego não é inflado o suficiente para sugerir que o desaparecimento das minhas palavras seja uma grande perda para a humanidade. Sim, aquela notícia que escrevi sobre quem estava dirigindo o primeiro filme dos Guardiões da Galáxia é inevitavelmente pouco interessante agora.
Mas, parafraseando o vilão Hans Gruber do primeiro filme Duro de Matar, mais cedo ou mais tarde eles chegarão a alguém ou algo que de fato importa para você. E terá desaparecido. Quando você perceber que o trabalho sumiu, a poderosa corporação que apertou o botão de deletar já terá seguido em frente para sua próxima decisão de maximização de lucros urgentes, e caberá a um site de arquivamento sem fins lucrativos agir como uma rede de segurança. Enquanto isso, os mesmos cinco sites continuam tendo suas telas capturadas, pelo menos até chegar a vez deles também.
Mesmo que a World Wide Web continue crescendo, ela também está se estreitando. E sua própria história está sendo removida, sem que uma única sobrancelha seja levantada. E sim, eu fiz backup deste texto, só para garantir...
Meu comentário :)
Há alguns dias tive uma conversa com o amigo
sobre esse tema. Trocamos esse link que, basicamente, expressava uma grande parte do nosso desconforto. Achei que não valeria a pena basicamente reescrever as mesmas coisas, então, decidi trazer a questão nas próprias palavras do autor e fiz a tradução.Se você, como eu, é um autor que escreve pelos recantos da internet, provavelmente já passou por algumas situações similares. O site ao qual contribuía saiu do ar e, por qualquer razão, você não tinha backup e agora já era. Adeus arquivos, adeus comunidade, adeus memória.
Então, acho que é uma reflexão pertinente, tanto do ponto de vista da preservação da memória da internet, como também do arquivo dos nossos trabalhos.
O que você acha? Como você vê essa questão?
A alegria de fazer parte do texto de outras pessoas
Essa semana eu fui citado pela
e pelo , dois autores aqui do Substack que têm trabalhos muito bonitos e sensíveis. Então, queria aproveitar a lembrança pra indicar o trabalho deles. :)Tenho ficado cada dia mais feliz pela sensação de estar em uma comunidade de escritores aqui no Substack. É uma sensação muito gostosa, fazer parte de um grupo, ainda mais considerando o quanto a escrita tende a ser solitária e, às vezes, até meio mal vista por outras pessoas.
Aqui, no entanto, as ferramentas facilitam que a gente veja os trabalhos de outros escritores, influencie e se deixe influenciar pelas conversas que vão acontecendo.
Fico muito feliz de ver essa interconectividade. É aquele abracinho aconchegante que faz ter vontade de voltar.
O anime Dororo me sequestrou
Estou absolutamente viciado em Dororo e pretendo voltar para falar mais desse anime. Dei o play sem querer, fiquei fascinado pela qualidade da história e dos personagens. Quando fiquei curioso pra entender quem era o autor, descobri que era ninguém menos que Osamu Tezuka, o pai do mangá moderno.
Dororo é um anime de 2019 baseado em um mangá dele, de 1967. Retrata um Japão fictício do período feudal, onde um samurai faz um pacto com vários demônios pra garantir que suas terras prosperem. Como pagamento pelo trato, ele tem um filho que nasce sem olhos, ouvido, nariz e membros. Então, ele ordena que joguem o bebê no rio, que por milagre sobrevive.
Ao crescer, ganha o nome de Hyakkimaru. Por não ter olhos, é cego, mas consegue ver a alma dos seres, com diferentes cores. Assim, ele consegue identificar se alguém é bom ou se é um demônio. Cada vez que mata um dos demônios do pacto que seu pai fez, ele recupera uma parte do seu corpo.
Dororo é seu parceiro de jornada, uma criança órfã que vivia de aplicar golpes.
O que mais me impressionou no anime é o contraste entre a crueldade e a ganância com a bondade que alguns personagens manifestam. Essa característica permeia o anime. Paz e violência, compaixão e crueldade, comédia e terror.
Há momentos onde você se vê torcendo pela sobrevivência dos demônios, de tão incríveis que são algumas das histórias ao redor.
Há muitas, muitas camadas, mas não posso falar mais pra não começar a estragar. ;)
Assim que terminar o anime, pretendo ler o mangá original.
INDIA goes METAL
Não sei se você já percebeu, mas eu adoro misturas musicais malucas e conhecer músicas de outros países.
Agora, eu estou morando nesses vídeos onde o Andre Antunes faz bases Metal para músicas tradicionais indianas — e de várias partes do mundo. É simplesmente incrível! Além disso, eu não conhecia Nooran Sisters, vale muito ouvir.
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Luri,
Menino, super obrigado pela citação! E ademais: que legal que tu está assistindo Dororo. Eu gostei muito e fiquei muito provocado quando assisti, é fácil fácil uma das minhas recomendações na vida. Já estou curioso para ler sobre tuas impressões em algum texto futuro. 🥰
Luri, que honra! Adorei o assunto por ir ao encontro de um vídeo postado pelo Thiago Guimarães no canal dele.no YT (orathiago) sobre pirataria. Tem a ver com esse lance aí de desaparecimento de conteúdos também. Um abraço! :)